Trocando
pequenas notas por e-mail com um amigo, a respeito da leitura de uma entrevista
com Alain Badiou, publicada no CartaMaior em 2012. Num determinado momento da
entrevista, enquanto Badiou tece considerações a respeito da ideia comunista ou
hipótese comunista, conceito criado por ele a partir da ideia original do termo
comunismo, o repórter pegando um gancho, o interrompe de forma provocativa com
uma pergunta a respeito das matanças durante o Stalinismo. Badiou não se abala, nem se faz de
rogado, e responde com a frase que copiei e transformei no título desse texto: “todo o mundo tem sangue até as orelhas”. Depois, aproveita toda a sua
imensa cultura histórica, e constrói uma catedral narrativa de todo aquele
período. Em seguida estabelece diversas conexões do fenômeno matanças,
genocídios e guerras etc., com exemplos similares em outros momentos da
história, dentre os quais o do próprio Cristianismo, que segundo Badiou, apresenta
dois exemplos, duas visões do Cristianismo bem nítidas e distintas. Uma é a
visão de São Francisco de Assis, que é: “o advento da ideia de uma verdadeira
generosidade para com os pobres”. Mas, do outro lado, o Cristianismo “também é a inquisição, o
terror, a tortura e o suplício”. Foi nesse momento que o meu interlocutor, como o bom cristão militante que é, decidiu contrapor aos crimes do Cristianismo apresentados por Badiou, os crimes da época Stalinista.
Num tom, como tivesse saído com armas em punho, em franca defesa do Cristianismo. Voltando ao texto da
entrevista, lembro de uma passagem em outro momento particular, onde Badiou chega a propor uma “absolvição dos vocábulos”,
segundo palavras dele. Gostei muito da ideia de: "absolvição dos vocábulos". Porque não é o Cristianismo que é mais ou menos
criminoso que o Stalinismo, nem vice versa, o vocábulo não é o “x” da questão.
A interpretação que faço da leitura de Badiou, se é que entendi bem, o que Badiou realmente quis dizer, é que a matança ocorrida durante o Stalinismo
não tem a sua razão de ser no Stalinismo em si. Da mesma forma se pode raciocinar
quanto ao período crítico da Inquisição no Cristianismo. Badiou nos lembra
também da Primeira Grande Guerra, levada a frente pelas três democracias mais
avançadas da Europa na ocasião, Alemanha, Inglaterra e França, que gerou um
morticínio imenso de milhões de vidas, um episódio absurdo e apocalíptico. Dessa forma verificamos, que as matanças ocorridas ao longo da História, não são fruto apenas
de uma narrativa ideológica dominante, que estiver dando as cartas na ocasião, seja o
Cristianismo, as Democracias avançadas da Europa durante a primeira guerra, ou até mesmo o Stalinismo. Portanto, não é uma ideologia, que produz matanças. Infelizmente ainda não
perdemos a necessidade de destruir vidas, de matar compulsivamente, faz-se isso diária e cotidianamente.
Desde uma simples medida política negociada no Congresso em Brasília, que traga arroxo para a
classe trabalhadora, e que, em consequência, provocará mortes. Como
intervenções diretas de uma potência imperial e hegemônica, contra um pequeno país soberano ou outro nem tanto,
que provocam guerras civis e mais mortes e matanças. Como assistimos recentemente na Líbia, e agora de
forma indireta também na Síria, porque na intervenção Síria são usados agentes desestabilizadores locais, grupos sírios de oposição a Assad, que foram armados até os dentes, pelas potências ocidentais e pela Arábia Saudita, além de armas poderosas, também com recursos financeiros. Quem não se lembra do genocídio perpetrado pela Sérvia nos anos 90, contra grupos étnicos minoritários da Croácia e da Bósnia? Uma limpeza étnica? E assim, a matança continua não importa a narrativa
dominante da vez. Para matar não se precisa de uma narrativa justificadora antes de uma chacina, ou de um genocídio, não se despreza essa possibilidade, mas em geral, constrói-se essa narrativa depois. Primeiro, mata-se! Depois conta-se a estorinha.
Assunto relacionado:"O comunismo é a ideia da emancipação de toda humanidade"
É mais ou menos por aí...
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