terça-feira, 21 de dezembro de 2010

PORQUE SOU A FAVOR DO BOLSA FAMILIA


É impressionante, como ainda tem gente, que se deixa levar pela propaganda negativa contra o programa Bolsa Família. Gente que se deixa servir, como instrumento da propaganda negativa, que é manipulada por setores organizados do "status quo" da direita política, que se utiliza de e-mails apócrifos, para fazer chegar aos incautos, a toda massa de manobra, de forma jocosa ou de piada, e de tal forma é realizada a propaganda, que leva a manada a achá-los "engraçados". Dessa forma, acabam por se perpetuar, de maneira quase inconsciente, os piores preconceitos contra os mais pobres. Como para fazer circular a mensagem maliciosa, precisam de gente conectada, é claro, que o alvo preferido são as classes médias, a pequena burguesia para Marx. Claro, para poder contar com a sua colaboração de forma gratuita e em rede, e assim continuar disseminando o ódio e todo tipo de preconceito contra os mais pobres. Infelizmente, quem se deixa manipular dessa maneira, não se dá conta, ser essa a pior mesquinharia, o que existe de pior em nossas classes médias, que ainda é conhecida na Europa, como a classe média mais mesquinha e conservadora do planeta, haja vista a maneira como fazem política e escolhem os seus representantes nos pleitos eleitorais. Passei um tempo na Europa nos anos oitenta, a maior parte do tempo em Londres, e durante esse tempo as notícias que chegavam do Brasil eram as piores possíveis, um horror, só exibiam nas TVs e jornais locais: favelas, miséria e outras mazelas. Hoje dizem, melhorou um pouco a imagem do Brasil, mas naquela época, lembro de amigos franceses e italianos a contar, que quando conheciam brasileiros à passeio, em geral de classe média, quando cobravam sobre a situação social do país, sempre os brasileiros à passeio davam de ombros, não estavam nem aí, não ligavam nem se importavam nem um pouco, tamanha era a insensibilidade social. Tal insensibilidade continua nos dias atuais, se assim não fosse, não teríamos mais a imensa desigualdade e a pobreza, que se reflete em lugares como nos complexos do Alemão, da Penha e da Maré no Rio, e em outros similares nos grandes centros urbanos espalhados pelo país, que a ganância e a mesquinharia dos que mais tem, não deixa haver melhor distribuição da riqueza e da renda, que cada vez mais se concentra em poucas mãos. Uma herança ideológica da época da escravidão, que se perpetuou na república, e ainda permanece na mentalidade de certa elite. Onde o valor máximo de referência é o patrimônio individual acumulado, e não a justiça social com redução da desigualdade. Alguns se queixam da violência urbana, dos assaltos, como se não fossem os mais ricos, responsáveis e cúmplices pela situação social conflitiva e a absurda desigualdade, e de forma enviesada atribuem, como razão da violência, o consumo compulsivo dos usuários de drogas ilícitas, desejam assim contabilizar a violência urbana apenas na conta da questão das drogas, como certa direita raivosa e preconceituosa quer fazer crer. Prefiro tributar tudo de perverso, que ainda continua a nos macular, a toda uma narrativa conservadora, que justifica, legitima e naturaliza a manutenção de absurdos privilégios ainda existentes, às opções políticas e ideológicas equivocadas de parte da elite social brasileira. O valor que o Estado brasileiro gasta com a assistência aos mais pobres no programa Bolsa Família, programa que beneficia em sua maior parte, uma população majoritariamente composta por negros e seus descendentes, com custo que não chega a um décimo do valor dado aos rentistas, aplicadores em papéis e títulos do tesouro nacional, não tenho o número preciso, mas o valor contabilizado no mês passado chegava perto de 200 bilhões de reais anuais, apenas os ganhos com os juros da taxa Selic, da chamada dívida pública. Portanto uma montanha de dinheiro transferida aos mais ricos da sociedade brasileira, gerando mais desigualdade e concentração, e contra essa situação nenhuma linha na grande imprensa. De forma que a dívida social que o estado brasileiro DEVE aos afrodescendentes, por todo o tratamento desumano e cruel, que receberam ao longo de toda a colonização, e que depois continuou no regime republicano, não é um mísero Bolsa Família que remunera ou recompensa. Na verdade o valor do bolsa família é uma miséria perto do que eles mereceriam, se fosse possível fazer justiça social para valer. Imagine se os afrodescendentes se organizassem a ponto de reivindicar num tribunal internacional os seus direitos, requeressem indenização e ressarcimento por tudo que sofreram, que valor seria? Não pretendo mudar a concepção de ninguém com respeito a esse e a outros assuntos, cada um pensa como quer. Mas quem de boa-fé defende deliberadamente a injustiça, os preconceitos e privilégios? Se o faz desconheço a razão, mas não deve ser por convicção, só por isso e apenas por isso, é que continuo a insistir nesse assunto. Se for dessa forma, ainda não se deu conta, que está prestando serviço ideológico às classes mais ricas, classes que tem ódio aos mais pobres, ódio de classe, contra quem na verdade sempre pagou a conta dos seus privilégios, não apenas pelo preconceito sofrido, que não é pouco, mas principalmente, pelos efeitos perversos dos erros, malfeitos, desvios e roubos praticados pela elite política e econômica. E o mais triste nessa história, e que não começou agora, é que o comportamento antipopular das classes médias, procurando estar sempre ao lado dos espoliadores, já vem de longa data e de forma recorrente. Já acontecia, por exemplo, durante o governo Vargas no início dos anos 50, quando alinharam-se à Carlos Lacerda e a toda campanha midiática do chamado "mar de lama", através de cadeia de rádio e de quase todos os jornais da época, que atacavam e criticavam ferozmente o governo e as suas políticas públicas. Como foi o caso dos ataques desqualificativos, contra os saudosos postos de saúde “lactários”, que ofereciam acompanhamento médico durante o pré-natal às mães de baixa renda, e depois de nascidas, as crianças recebiam acompanhamento médico, sopinhas e leite até quando atingissem a idade de dois anos. Foi dessa maneira, que dezenas de milhares crianças pobres puderam escapar da morte, da debilidade física permanente ou da indigência definitiva, porque é justamente até atingir os dois anos, que uma criança é mais sensível e vulnerável à carência de nutrientes. No entanto os jornais da época, prestando serviço aos seus senhores, atacavam com críticas demonizantes o programa Lactário do velho, acusavam de assistencialismo desnecessário, esmola com fins eleitorais, da mesma forma como fazem hoje contra o bolsa família. Aparentemente parece insensibilidade, e é, mas no fundo, o que falta a essa gente, é falta de grandeza, como são mesquinhos, seres amesquinhados. Portanto, a crueldade, a espoliação e a humilhação não começou agora. Dizia atrás, que ao repassar e-mail fazendo propaganda negativa do bolsa família, quem assim procede, está a prestar serviço a uma elite raivosa e preconceituosa, que a meu juízo precisa ser denunciada e desmascarada, a todo momento que manifeste sua pauta anti-social. Porque estamos em meio a uma luta de classes, que se dá, além da forma efetiva e real na economia, que acontece de forma perene no cotidiano brasileiro, a luta de classes se dá também no plano ideológico, que Althusser gosta de chamar, "luta de classe teórica", porque a prática anti-social precisa de uma narrativa justificadora e legitimadora no campo das ideias, para poder parecer uma coisa normal, natural. Daí fica claro como uma ideologia justifica, legitima e naturaliza a injustiça social perpetrada pelos mais ricos contra os mais pobres brasileiros ao longo do tempo de nossa história. O discurso ideológico legitimador das práticas injustas de exploração social, sobretudo no trabalho, na péssima remuneração do valor do trabalho, dissemina e espalha uma narrativa negativa contra o programa bolsa família através de todas as mídias, inclusive a utilizada no repasse da mensagem viral.



Veja como as classes médias se prestam, de forma quase inconsciente, a prestar um serviço sujo e de serem usadas como massa de manobra, de servir como instrumento, ao defender valores sociais e econômicos, que só interessam às elites econômicas conservadoras, na justificação do seu longo e duradouro domínio político e econômico do país em benefício próprio. É bom ter clareza de que lado quer aparecer na foto nesse século 21, que já está quase entrando em sua segunda década. E já está passando da hora de acabar de uma vez por todas, com a herança ideológica da escravidão, para caminhar firmes rumo à democracia, que realmente mereça o nome de democracia.

Link conexo:
Porque eles querem tomar o poder

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Culpabilizar a classe média por ser usuária é uma bobagem

ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE UMA CARTA QUE CIRCULOU NA INTERNET INTITULADA: "EU AJUDEI A DESTRUIR O RIO", de autoria de um jornalista de Brasília de nome: Sylvio Guedes

Mais uma falácia que se repete ad infinitum, e de tanto ser repetida, se não tomarmos cuidado, corre o risco de tornar-se, como tantas outras, VERDADE. Não é verdade, que o tráfico de drogas supõe as armas e a violência, repito não é verdade. E por quê? Em primeiro lugar o Rio não é, dentre outras metrópoles com as mesmas dimensões populacionais e importância política e econômica, o lugar onde se consuma mais drogas ilícitas. Se for pensar em cidades como Nova York, Los Angeles, Londres e outras do mesmo porte, o consumo é muito maior que no Rio. Todo mundo sabe disso, e nem assim, lá se tem a violência, o armamento pesado, que há no Rio. Eu mesmo morei quase dois anos em Londres nos anos oitenta, conheci alguns pequenos traficantes de drogas(Drug's dealers), que eram apenas comerciantes ilícitos, nada mais do que isso, que não oferecia o menor perigo, salvo o risco de passar a perna, enganar e trapacear, como existe aos montes em Amsterdam na Holanda, com os incautos e inexperientes, principalmente estrangeiros achando que chegaram ao paraíso das drogas e que tudo vai dar certo, e ai acabam comprando droga falsa.

Agora violência com tiro de fuzil, que eu saiba, só em outras latitudes, sobretudo aqui pelos trópicos latinos, Colômbia, Brasil e México, onde a situação de violência está bem pior do que no Rio, segundo se costuma dizer atualmente. E por quê? Qual a conexão existente entre uma coisa e outra? Será que existe conexão? Qual a origem dessas sofisticadas armas de guerra, exibidas de forma afrontosa no Rio, pelos soldados do tráfico em algumas comunidades, que a televisão exibe de vez em quando, porque dá Ibope, haja vista a audiência do filme Tropa de Elite Dois? Qual país fabrica as principais armas, as mais potentes aprisionadas e tomadas dos criminosos?
O comércio de drogas não vai acabar nunca, mesmo quando ele se tornar legal, porque é, e sempre foi assim no mundo inteiro. A humanidade nunca vai parar de usar substâncias, que possam vir alterar o seu estado de normalidade, é romantismo pensar o contrário, baseado em crenças moralistas ou qualquer outra. 
Agora, nunca é demais questionar. A violência pode ser contida, isso é possível? Como? É necessário fazer uma reflexão, pensar um pouco a respeito. Por que em Nova York um traficante vende o seu haxixe sem necessariamente precisar de AR-15? Talvez tenhamos os elementos corretos para fechar a equação, e não ficar limitado a repetir falácias, do tipo moralista e cristão, porque culpabilizar as classes médias por serem usuárias, tem cunho cristão. De onde vem a noção de culpa? Vejam e leiam o que disse Nietzsche, a esse respeito, em suas obras, sobretudo na Genealogia da Moral.
E depois essa crítica dirigida apenas contra as classes médias, como se fossem as únicas consumidoras é de uma ingenuidade, isso para ser elegante, e não ter que dizer: que é uma tremenda burrice ou estupidez. Portanto vamos acordar, porque o buraco é muito mais, ia dizer: "em baixo", mas acho que é melhor dizer: "no alto".

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Marcas indeléveis

Como o contexto cultural condiciona as nossas escolhas
A arrumação da frase no subtítulo, já implica e supõe uma hipótese: a de que não somos suficientemente livres, a ponto de conseguir ficar imune e não sujeito a tudo o que aconteça a nossa volta. Não se tem como escapar dessa sina, mesmo que queiramos muito e lutemos por isso. Porque somos parte de um “melting pot” cultural, racial, político, econômico, ideológico, filosófico e outros, e que por conta disso tudo estamos imersos num oceano cultural. Quando falamos do Brasil da segunda metade da década de sessenta e começo dos setenta, não se pode deixar de falar na terrível experiência, que foi viver o período da ditadura militar, e que teve como consequência: "a perda da liberdade" de forma efetiva e real. Viver a experiência da perda de direitos políticos e de cidadania, como a privação do direito de organização, por exemplo, proporcionados por regimes políticos de exceção, regimes fora da lei, como foi o caso da ditadura militar brasileira daquele período, já é mais do que suficiente para deixar marcas indeléveis, marcas que ficarão por muito tempo, talvez para sempre e de forma definitiva, pelo menos enquanto vivermos. E marcas, que atingiram não apenas, aqueles que sofreram as sanções criminais, e em consequência torturas na prisão. Desses nem se fala, porque não se trata apenas de marcas, e sim de sequelas muito mais graves e severas. Não pretendo tratar agora da questão do preso político, pois esse não é o foco, que se quer abordar no presente texto, nem é a marca do torturado, que quero discutir. Quero trazer para a discussão, o problema das marcas que condicionaram e influenciaram a vida de determinada geração de brasileiros de forma definitiva, influindo nas escolhas, que acabaram por determinar o rumo a seguir na vida e todo o futuro. No caso brasileiro, a perda da liberdade, ocorrida pelos atos que levaram a perda das garantias legais asseguradas pela constituição de 1946, já coloca de imediato a questão da liberdade na linha do horizonte de toda uma geração. Porque se configura como a presença de algo ausente, de tão escandalosamente ausente, que acaba por se fazer manifestar. Por estarmos privados de tantos direitos civis, antes amparados pela Carta Magna, agora a liberdade se impunha a todos nós, e o que é hilário, mesmo à revelia dos quartéis. Têm-se, portanto a demanda e a presença da liberdade, em sonhos, anseios, corações, idéias, enfim, a liberdade está presente nos corações e mentes de várias formas, dimensões e perspectivas. Esse é um aspecto da presença da liberdade nas mentes de toda uma geração num determinado período do tempo, no daquele período terrível foi essa experiência específica e cheia de especificidades de uma ditadura. E para concluir essa primeira parte, que trata da chegada da liberdade através da esfera da violência imposta, e violência pela opressão de um determinado regime político, e que se caracteriza pela relação entre liberdade e violência. Agora passemos a outro aspecto da questão da presença da liberdade nos corações e mentes daquela mesma geração, no caso não mais pelo prisma da experiência da violência imposta mencionada acima. Agora a motivação, tem outra vertente e origem. Trata-se da questão cultural dominante, ou melhor, da superestrutura ideológica, para usar uma expressão da metáfora marxista. E depois de passados esses anos todos, e quanto mais o tempo passa, mais se têm o privilégio de poder olhar todo aquele período com algum distanciamento, o que facilita bastante, possibilita inclusive poder enxergar melhor e ampliar a compreensão de porque aquilo tudo se deu, e de como se deu. Como é sabido, aqueles anos fizeram parte de um período da história do mundo, considerado muito conturbado para os conservadores, e para onde convergiram ao mesmo tempo várias demandas, que estavam reprimidas há muito tempo. Era a questão da repressão sexual, da liberação dos costumes, do preconceito contra os homossexuais, da opressão contra a mulher, o chamado sexo frágil, do problema racial contra os afro-descendentes, e da luta pelo boicote ao serviço militar, ambos nos EUA, que provocou várias deserções, inclusive de celebridades, para fugir da obrigação de ter que arriscar a vida na guerra do Vietnam. Enfim, problemas que se transformaram em lutas reivindicantes, que buscavam ampliar os direitos civis para minorias. Portanto mais uma vez encontramos a noção de liberdade na linha de frente da luta política, e como uma das principais bandeiras, dessa vez por outras razões e motivos, diferente daquilo, que se fazia internamente, na luta contra a ditadura militar. Porque nesse caso, a liberdade não se impõe mais apenas pela violência, como aconteceu durante a ditadura, agora a liberdade se impõe, chega até as mentes, pelo condicionamento ideológico através do caldo cultural dominante da época. Repetindo, apenas para reforçar, num momento, através da esfera de experiência da política interna em âmbito nacional, a liberdade entra na linha do horizonte determinada em “última instância” pela VIOLÊNCIA; em seguida, e por razões diferentes, porque a esfera de influência tem um âmbito internacional, a necessidade de mais liberdade se dá MAIS pela força da IDEOLOGIA, isto é, através da cultura ideológica da luta política. E assim, pelo que acaba de ser exposto, fica claro as duas visões a respeito da presença da noção de liberdade entre nós no período estudado, é bom lembrar, que utilizei a noção de "determinação em última instância" do filósofo Louis Althusser, para evitar que caíssemos num determinismo mecanicista e fácil. Em seguida, vamos tentar compreender outras formas e manifestações da presença da liberdade, que se deu também de forma proeminente através de outras esferas de influência. A liberdade se introduzia de outra forma, se apresentava por outro viés, que chamaria de terceira esfera, ou esfera "mais" filosófica, através das suas manifestações poéticas, literárias e filosóficas, ainda ideológicas por um lado, mas sendo agora, sobretudo morais e éticas, como, por exemplo, a questão dos valores. Para iniciar a terceira parte ou esfera, todos sabem a força que teve a expressão cultural da "beat generation' nos EUA, com Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William Bourroughs e muitos outros, como foi o caso do psicólogo e professor Timothy Leary, que não era propriamente dito um "beat", mas que acabou fazendo parte do movimento de libertação da época, com a pregação favorável às experiências com LSD na universidade de Harvard, onde procurava levar os seus alunos e adeptos do movimento, a alcançar estados alterados de consciência, buscando ampliar a compreensão, autoconhecimento e libertação da massacrante luta diária pela sobrevivência de uma sociedade de consumo de massa. Nunca é demais repetir como esse grupo de poetas, escritores, ensaístas e artistas em geral influíram fortemente no movimento hippie dos sessenta. A estratégica fórmula do “turn in” & “drop out”, ou seja, primeiro se liga e depois cai fora. O que significa literalmente escapar do sistema social padrão, através de uma ruptura radical com algo que não interessa mais, que se rejeita de forma total e absoluta. E assim, mais uma vez tem-se a liberdade na linha do horizonte. E por último, não se pode tratar da questão de demanda por mais liberdade sem falar em Sartre e Camus, que na França do pós-guerra faziam parte da grande agitação crítica e filosófica em prol da liberdade, que vai desaguar no existencialismo francês. Existencialismo, que não se reduzia apenas a uma filosofia filosofada e teórica, mas também uma concepção de vida e de mundo, que se constituía num movimento cultural, que envolvia além da filosofia propriamente dita, também moda, a música com Juliette Gréco e o Jazz feito em Paris na época, a cena teatral e cinematográfica, com o teatro “National Populaire” e a “nouvelle vague”, o cahier du cinema, além da literatura do "nouveau Roman", etc. Para a geração de hoje, é muito difícil imaginar a força da presença filosófica dessa cultura, principalmente de Jean Paul Sartre no Brasil daquela época. Por essas bandas só se falava em existencialismo, mesmo para quem não entendia nada do assunto e do seu significado. Mas tal era a importância dada à questão do existencialismo, que quase todo mundo repetia, e era um verdadeiro turbilhão na opinião pública. Vivia-se sob o signo da liberdade sartriana, de que todo mundo é livre mesmo atrás das grades, quem não se lembra dessa máxima? Portanto, para concluir, e por tudo o que foi mostrado até aqui, não se tinha mesmo como escapar da forte influência da demanda por mais liberdade, como algo que se impunha à vontade, e por diferentes esferas e dimensões, fossem elas políticas, econômicas, ideológicas, científicas ou filosóficas. Por essa razão, nunca é demais repetir, como isso se dá ou se deu no caso brasileiro. Vimos que a questão da liberdade se impõe como necessidade, quando a sua ausência atinge a todos, pela força do autoritarismo e da violência coercitiva, através de uma ditadura política. Vimos, por outro lado, quando essa demanda por liberdade, emerge através de grupos segregados da sociedade, que lutam por mais direitos civis através de ações afirmativas, pela ampliação do espaço já conquistado e da própria luta política e efetiva, que acaba se estendendo e atingindo outros segmentos da sociedade. Vimos também, quando toda a demanda por ampliação de liberdade chega à esfera das idéias e atinge os intelectuais, trazendo para a arena de luta ideológica, artistas, literatos e filósofos. Constituindo-se naquilo, que se costuma chamar de luta de classes na teoria. E com esse resumo final, damos por concluído o presente painel da questão da liberdade e do seu efeito entre nós no período apontado, embora reconheça, que tal como o amor, essa é uma questão para a vida toda.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Iconoclasta



O iconoclasta inconsequente é quase um pleonasmo.
Por que não é prudente ser iconoclasta, como éramos, ou desejávamos ser, de forma quase absoluta, na adolescência? Por que querer quebrar as regras, pelo simples prazer de quebrá-las? É possível, que em determinadas situações, seja impossível não quebrar algumas. Mas é um acidente, quando isso acontece, é uma exceção, não a regra. Do outro lado, a regra básica é: ter a intenção, o objetivo e o desejo de querer quebrar com todas as regras, não importam quais, sem precisar de razão alguma. No afã de querer ser consequente, com a última regra, ou seja: a regra de precisar quebrar com todas as regras. Quase sem perceber, sem nos darmos conta, pois não havia consciência da situação: DECRETAMOS a sentença de morte da regra básica. E dessa maneira, toda a sequência de quebrar com todas as regras de forma infinita e ininterrupta, é subitamente interrompida. E, portanto, nos despedimos e saímos de cena literal e efetivamente, com a quebra da derradeira regra de precisar quebrar regras, da necessidade, que é a regra de quebrar com a regra de querer quebrar com todas as regras.

sábado, 4 de dezembro de 2010

OS IMPERDOÁVEIS


A intolerância vinda de onde não se espera

É curioso observar, como certas pessoas, que fazem questão de mostrar, que são gente de bem, porque são bem posicionadas e inseridas na vida social de sua área de influência e, portanto por isso mesmo, consideradas influentes. Gente que faz questão de exibir, que se mantêm atualizada em várias matérias e assuntos, como por exemplo, seguem com ardente paixão as filosofias da moda, ou o movimento estético-artístico mais de vanguarda, e também as últimas novidades em matéria de psicoterapia, e por aí afora. Com a necessidade de precisar mostrar e exibir que são bacanas, que são os tais, que estão por cima da carne seca. Enfim, é gente, que acredita ainda piamente, que a propaganda é a alma do negócio, e leva a autopromoção e o marketing de si mesmo às últimas consequências. Não preciso dizer, que vistos assim de fora, por um observador neutro, essas pessoas poderiam ser consideradas como sendo muito bem sucedidas, pessoas de sucesso. Além de todos esses atributos mencionados, poder-se-ia acrescentar ainda, que consideram-se também revolucionários, não mais na política, claro, porque hoje em dia, ser revolucionário na política, está fora de moda. Mas revolucionários nos costumes, que é o que importa hoje, segundo os próprios. Pois consideram, que é preciso, que os mais ousados efetivem a sua emergência.
Em termos filosóficos, não acreditam mais em verdades de nenhuma espécie, pois o conhecimento é relativo, já que a realidade é efêmera e fragmentada, ou talvez líquida, o que devem ter descoberto lendo algum filósofo de plantão da última moda. Para eles não tem mais nenhum sentido falar em sistema de pensamento, ou sobre o todo social, a noção de totalidade é uma falácia simplista, uma abstração, faz parte da velha metafísica. Pois bem, caso façamos um esforço imaginativo, para materializar alguém com o perfil acima descrito, de imediato consideramos, que é o máximo essa criatura, que é fácil lidar com alguém assim perfilado. Pessoas dessa estirpe devem ser bacanas, tolerantes, que jamais julgam os outros pela aparência, já que posso ser e não ser ao mesmo tempo um monte de coisas. Portanto estou a salvo, com toda a minha esquisitice, do implacável julgamento dos meus pares, pelo menos por parte daqueles considerados modernos e bacanas. Mas infelizmente não é dessa maneira, que as coisas ocorrem e fluem socialmente. Por mais paradoxal, que possa parecer. Justamente as pessoas, que se acham modernas na teoria, são as que têm demonstrado serem as mais intolerantes com o diferente na prática. O fora do contexto, o inadequado, o louco, o desajustado, o imigrante, em suma: o outro, ou qualquer pessoa fora do padrão estabelecido, que aparentemente, pelo fato de apresentar-se de forma diversa, é o candidato preferencial para receber um carimbo, um crivo social, e ser vista como algo, uma coisa, já que dizem: "Olhem! Vejam só o que ele é!". Como se o ser dessa pessoa tivesse se reduzido a apenas um clichê. Ou pérolas do tipo: "Ora, já que alguém pensa dessa forma, ela não me interessa mais". Mostrando dessa maneira a dificuldade em lidar com o contraditório. Daí que, quando pessoas que se consideram modernas, e vemos depois no dia a dia, não serem tão modernas assim, justamente porque eram as últimas de quem se fosse esperar serem tão intolerantes, e que viessem na prática a reforçar preconceitos de forma tão veemente. Pois é uma enorme incoerência, confessarem o tempo todo, que não acreditam em nada considerado definitivo, pois não creem em verdades, pelo menos na teoria, já que se dizem céticos; e que, diante de um igual, outro ser humano qualquer, que por acaso apresente algum sinal, por menor que seja, que não esteja de acordo, em sintonia ou conformidade, com o ideal imaginário da pseudo modernidade, mais que de imediato, decide-se colocar no diferente um carimbo denunciante, um selo ou uma marca de Caim. Não literalmente, como faziam os nazistas durante a segunda guerra, pondo a estrela de Davi nos judeus, ou o triângulo rosa nos gays. Para em seguida, posto esse carimbo simbólico, poder julgar, controlar, condenar, aplicar sanções com todas as punições cabíveis, e enfim definitivamente descartá-lo para todo o sempre. Eles são imperdoáveis?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Nietzsche e a totalidade



Acho que consegui entender o que se queria dizer, quando refere-se à filosofia de Nietzsche, como tendo uma forma própria de "pensamento". E você não está errado. E como isso se dá? É preciso lembrar, que Nietzsche por formação, vivia no âmbito das palavras, nos meandros dos termos, vocábulos, conceitos e o uso que era feito deles, pois era filólogo de formação. Trabalhava os conceitos no âmbito da linguagem, daí a procura da origem lá atrás dos tempos, do significado de um termo qualquer, movimento esse, que ele depois vai chamar de genealogia, e que mais tarde Foucault vai apelidar de arqueologia dos saberes e das palavras. Buscando o(s) significado(s) original daquele termo, na origem de tudo, lá no começo do uso do termo, fica mais fácil tentar compreendê-los melhor nos dias atuais, como também fica-se com mais instrumentos para contestá-los e desconstruí-los. Caso seja esse o interesse da conjuntura, por “n” razões, que poderá ser política, moral, ideológica, teórica, luta de classes, etc. Portanto essa é a vertente de Nietzsche, é nessa esfera, a esfera da linguagem, nesse mundinho, nesse pequeno universo linguístico, antes mesmo de existir Saussure, é onde atua o nosso personagem e autor de renome. Por outro lado, as filosofias chamadas tradicionais, as filosofias sistêmicas, que atuam também, mas não apenas no campo limitado da linguagem, pois são ontológicas “par excellence”, porque dedicam-se ao estudo do ser e do mundo enquanto ser, sempre na perspectiva da TOTALIDADE. E o que significa isso? Mesmo quando trata de um fenômeno particular, o entende e compreende como parte de um todo, é a visão do particular na perspectiva da totalidade. A totalidade sistêmica está, no caso das filosofias tradicionais e ontológicas, sempre no horizonte e no presente de todas elas. É o pano de fundo desse segundo tipo de filosofia. Logo é um cenário de reflexão e pensamento completamente diferente da perspectiva nietzschiana. Se formos estudar a modernidade contemporânea, na esfera filosófica, sobretudo expressa e impressa em língua francesa, devido a forte influência do instrumental do modelo linguístico saussuriano, Nietzsche tem um enorme prestígio, e considerado contemporâneo e atual. Exatamente por essa razão da proximidade com o modelo padrão linguístico de análise. Agora o uso que é feito de Nietzsche, por diferentes autores contemporâneos, varia muito de autor pra autor, cada qual puxa a brasa para a sua sardinha, há todo o tipo de utilização de Nietzsche, que fica muito distorcido algumas vezes, mas tudo isso são outros quinhentos réis. Não sei se ficou claro, esse ligeiro alinhavo panorâmico, que em linhas gerais, tentei traçar dos dois modelos de pensamento, pelo menos, no que é específico e distinto, em ambos os modelos de pensamento, para quem sabe um aprofundamento maior no futuro próximo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O mesmo personagem em papéis diferentes



A cabeça do soldado das forças armadas, saindo de um blindado, com um capacete camuflado. Trata-se de homem jovem e negro. E o que mais me chamou a atenção, foi o seu olhar, uma mistura de medo e apreensão, com o medo dominando. O curioso, é que se puséssemos, com um toque de mouse, o rosto dele no corpo de um combatente traficante, dos muitos que não faltaram na mídia durante toda a semana, não sei se mudaria alguma coisa. Ambos negros, teríamos tanto lá como cá, representantes saídos da mesma classe social, do mesmo meio social e racial, e porque não dizer cultural. Não sei por que, mas de imediato veio-me logo à mente, o que poderia estar a se passar pela sua mente naquele exato momento. Qual deveria ser o seu nível de consciência a respeito de toda a situação vivenciada? Como estaria se sentindo? Saberia do seu papel naquele minifúndio? É difícil supor uma resposta única para qualquer uma das perguntas. Todos sabem pela experiência e pela História, que praticamente não existe espírito de corpo, o corporativismo, entre os subalternos, explorados e humilhados. A maior crueldade, em geral, é praticada por alguém de baixo contra outro igual, quando se encontra numa posição de mando, de poder. A literatura mundial está cheia de exemplos sobre esse fenômeno. Haja vista a situação da capatagem no Brasil escravocrata. Para analisar essa situação e conseguir chegar a uma compreensão e entendimento, do porquê de tudo isso, pode-se tomar vários caminhos, sem jamais esgotá-los. De início alguém poderá dizer que somos influenciados por uma ideologia dominante, e que quanto mais nos encontramos na base da pirâmide social, mais ficamos vulneráveis às influências daquela ideologia. Dessa forma, parece um simplismo, mas entende-se, que alguém agrida com tanta crueldade outro ser de sua mesma origem social. Porque embora um indivíduo qualquer, um soldado da polícia militar, por exemplo, ao cometer arbitrariedades contra um pobre negro qualquer, ele o faça com a cabeça feita por todo um condicionamento realizado ao longo de anos, de forma que é como se ele não tivesse uma cabeça própria. É o caso similar de um indivíduo negro qualquer, que porventura manifesta racismo contra outro negro, isto é, ele apenas está reproduzindo o racismo dominante da sociedade assimétrica e desigual, a que pertence. Para lutar contra essas situações paradoxais, nunca é demais lembrar das políticas de 'ação afirmativa' praticadas em outras sociedades, e que são bem eficazes contra esses fatos. Na medida que, através do trabalho da desconstrução dos valores dominantes, descobrimos o que está por trás, e tem como resultado o desmascaramento de certos símbolos e conceitos, até ao ponto de se poder desfazer as ideias, que alimentam aqueles preconceitos. Para concluir, considero que se fosse possível elaborar oficinas filosóficas de desconstrução ideológica, para esses grupos, precisaríamos trabalhar tanto com o soldado da foto, ou grupo de soldados, ocupantes de ocasião do complexo de favelas; como também com indivíduos ou grupo de moradores das comunidades, e o morro do alemão é um exemplo bem ilustrativo de tudo isso.

Militar das Forças Armadas em veículo blindado durante cerco a traficantes no Complexo do Alemão (zona norte do Rio)