terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Puseram os Punks na Caverna Pós-Moderna

É curioso ainda encontrar em certos veículos de mídia, seja ele qual for, gente afirmando, que como o punk fez parte da tradição anarquista, se presta algumas vezes, como é dito, a servir de exemplo, para comprovar, forçando muito a barra, que os punks na esfera comportamental e de atitude, fazem parte de um movimento bem mais amplo da contemporaneidade, de inspiração estética, conhecido como pós-modernismo. Quando digo forçando a barra, refiro-me a conexão arbitrária feita entre um movimento estético filosófico, uma maneira idealista de ver e avaliar os artefatos artísticos, de imaginá-los como deveriam ser ou deixar de ser, como é o caso da estética pós-moderna, e a própria realidade social. De se forçar um casamento arranjado entre a realidade social, política, econômica, etc, com a ilusão estética pós-moderna. 
Desejar estender uma visão idealista utilizada na apreciação de juízos críticos sobre objetos artísticos e artefatos culturais, uma visão local e particular, e ampliá-la para abarcar toda a sociedade, não é verossímil. E o mais curioso é notar, que os pensadores adeptos da ideologia estética pós-moderna, e aqui é preciso mencionar, quase todos os principais pensadores franceses, que vieram depois de Sartre, de Foucault a Deleuze, passando por Derrida, todos navegaram nas águas profundas e interiores do Estruturalismo. É bom que se diga, que nem todo estruturalista é pós-moderno, mas a maioria dos pensadores pós-modernos são estruturalistas. Influenciados pela antropologia estruturalista de Lévi-Strauss, pela Linguística de Saussure e alguns, sobretudo Foucault, pela Epistemologia francesa de Bachelard e Canguilhem. Em primeiro lugar romperam com todos os pensadores humanistas da ocasião, quando mataram simbolicamente o homem, e em consequência, o sujeito. Utilizaram-se do chamado corte ou ruptura epistemológica, para distinguir e separar o que era ideológico do que era científico. Negligenciaram o valor e a importância da História, como rumo ou horizonte hermenêutico, outra palavra também desqualificada, considerada como filosofia ultrapassada e datada. O sujeito da história não é individual, jamais, e mesmo se o fosse, não seria capaz de contar a mesma história, não tem alcance nem autonomia. Para eles já não existe mais uma narrativa grande e única, que engloba todo o sistema numa leitura global. A chamada Grande Narrativa foi para o espaço, o que tá valendo agora são os pequenos e micros relatos, ou seja as representações de pequenos grupos e gangues marginais darem as suas versões dos fatos. Quem sabe agora, os punks entrariam nessa caverna teórica. Então, nada de relato histórico tradicional, com as suas explicações macros, que engloba todo mundo inclusive os operários, trabalhadores braçais e outros menos qualificados. Não, nada disso mais. O discurso está fragmentado, temos agora vários e diversos relatos, é isso que está valendo hoje. Nada de lorota de socialismo, não querem perder a chance de se tornarem biliardários, se assim o desejarem. Parece uma contradição e deve ser mesmo, porque como é, que se considera não haver mais um relato único, que seja válido para expressar as realidades do mundo contemporâneo, já que tudo se despedaçou, se fragmentou, se pulverizou em vários e pequenos relatos? Se é assim, que agora tudo se arruma no mundo, como é que estão querendo construir status, para uma teoria estética e filosófica idealista, como é o pós-modernismo teórico? Porque se fosse verdade o que reza a ideologia do próprio pós-modernismo, nem o próprio sobreviveria, se salvaria, não restaria nada dele. Quer dizer, é toda uma especulação teórica ainda utilizando-se das armas e instrumentos teóricos, peculiares do próprio modernismo, que ainda não terminou, continuamos a viver no mundo moderno, são nessas águas, que ainda estamos a navegar. Que o movimento estético e filosófico pós-moderno deseja e sonha superar, com ilusões a respeito desse mesmo mundo. Quando na verdade, o que vemos no caso dos punks? Trata-se de mais um movimento, que expressa mais uma vez, de forma muita clara, ser mais uma luta, dentre tantas, por reconhecimento. Que em última análise, trata-se de lutar por mais cidadania, mais direitos civis, maior autoestima, empoderamento, pertencimento, tudo resultado da luta por reconhecimento. E quantos grupos sociais lutam pela mesma coisa no planeta? Sobretudo em nosso país. Quem quer saber se é moderno ou pós-moderno? Isso não tem a menor relevância nem importância mais. O mais importante é alcançá-lo, conquistá-lo através de muita luta e mobilização.


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2 - breve-comentario-sobre-subcultura-punk
Para ouvir: Papa Was A Rolling Stone

A volta do livro impresso

Nem tudo está perdido, e me dou conta disso quando ligo o computador e vejo a notícia que o criador do kindle o Sr. Jeff Bezos, dono da Amazon, vai abrir uma livraria em Manhattan, Nova York. Porque a ideia inicial com o kindle era o barateamento do livro, quando disponibilizado numa plataforma diferente do papel impresso, e inicialmente isso até aconteceu durante algum tempo, só que ultimamente os preços se inverteram, e as principais editoras estão lançando até com preços mais altos do que o de papel. Além da paixão pela leitura, todos sabem que na atual conjuntura o que fala mais alto é o preço do livro, e se no papel está mais em conta, essa torna-se a melhor opção, além de todo o simbolismo do apego à algo físico com textura e cheiro, quase um fetiche, que é a presença física do livro impresso. Então com os preços menores os leitores estão retornando para o impresso em massa, movimento que não precisei fazer, já que jamais abandonei o livro físico, que adoro por várias razões. Quando estive em Paris em maio e junho de 2015, senti uma nostalgia imensa, quando procurei algumas livrarias ícones no Boulevard Saint Germain, e só encontrei nos lugares lojas de marcas de roupas famosas. Compreendi o fenômeno do encarecimento dos aluguéis em espaços mais da moda, que tornaram mais difíceis a manutenção de certas atividades, mas é impossível não se sensibilizar. Depois andando em outros quatiers de Paris, vi que o fenômeno do fechamento de livrarias não havia ficado restrito apenas ao do Boulevard Saint Germain no Quatier Latin. Paris não seria mais uma cidade marcada pela cultura livresca de outros tempos? Impossível não se indagar. Ainda bem, que agora diante dessa notícia, há uma luz no fim do túnel para os livros impressos, e que retornem todas as fantásticas livrarias grandes e maravilhosas em todas as grandes cidades do mundo, que para mim tem um significado similar a uma catedral, porque é para onde prefiro me dirigir em estado de reverência, curiosidade e êxtase, quando encontro uma raridade ou um lançamento bombástico. Adoro. Que bom!