sábado, 28 de maio de 2016

Em terras da rainha


Aos trinta anos, começo a encontrar alguns indícios do que gostaria de fazer, algo diferente do que vinha fazendo até então. Na primeira tentativa logrei uma frustração muito grande ao não receber a bolsa, que permitiria me sustentar, enquanto escrevia a dissertação de Mestrado de Filosofia no IFCS/RJ. Com isso, foi descartada a primeira tentativa de mudança de vida, já que buscava a alternativa no ensino superior em universidades públicas, onde o Mestrado era a condição fundamental para ingresso. Ao voltar às minhas atividades profissionais na área de Shipping, num ambiente refrigerado e cheio de engravatados, a insatisfação continuou e era grande, sabia que precisava mudar, precisava encontrar outra maneira de ganhar a vida. Mas não havia jeito de mudar, nem mesmo com o auxílio da psicanálise, primeiro porque, a perda da bolsa de mestrado era muito recente, e ainda não havia encontrado outra alternativa clara, havia indícios ainda nebulosos; e segundo, porque era muito difícil largar, abandonar algo que vinha fazendo há dez anos, trocar o certo pelo duvidoso. Começava a me estabilizar profissionalmente, era bom naquilo que fazia, não era brilhante, mas quase impecável, pois raramente cometia erros. Ganhava a vida em algo, que sabia fazer muito bem, mas não amava, e isso incomodava. Com a passagem do tempo, parecia que a situação se agravava cada vez mais, gerando angústias, principalmente a partir do momento, que comecei a ter certo reconhecimento no mercado, inclusive com reflexo em minha remuneração. Como era expert em fretes marítimos de cargas, era de certa forma, disputado no mercado, e como o mercado de profissionais nesse ramo era restrito e constituído de gente muito mais velha, passei a ser a bola da vez, convites não faltavam me assediando, com propostas salariais melhores. Via a possibilidade de escapar se afastando cada dia que passava. Tanto, que quando anunciei o meu desligamento da empresa, para uma temporada em Londres, capital mundial do Shipping na ocasião. Para minha surpresa, fui até incentivado pela chefia, a me aperfeiçoar no assunto, quando chegasse à Inglaterra. Assim o meu futuro estaria assegurado de forma definitiva, quando retomasse o meu lugar na volta. Não faziam a menor ideia do que se passava em minha cabeça. Não que procurasse as luzes da ribalta, como sonhara na adolescência, mas procurava por algo, que proporcionasse mais alegria e satisfação, que fizesse com mais amor e dedicação, que não fosse um estorvo, que a cada dia passado só aumentava.

Ganhei a passagem de ida em navio mercante de carga, com direito a camarote exclusivo, pequeno apartamento, uma saleta com sofá e mesa, quarto com cama de casal e toalete com ducha de água quente. Embarquei no porto de Santos, São Paulo, um pouco depois do carnaval de 1982. Uma viagem de quatorze dias, que transcorreu tranquila, sem mar agitado, sem enjoos, li bastante, e fazia as refeições junto com os comandantes e familiares de tripulantes. Viagem que findou no terminal portuário de Tilbery Town, na grande Londres, que me contaram outro dia, não existir mais, não a cidade, claro, mas o porto. Ao chegar a Londres, o navio com alguns problemas mecânicos, foi obrigado a permanecer ancorado por mais sete dias. Ao saber disso, resolvi permanecer hospedado no navio, já havia feito amizade com familiares da tripulação, que viajavam a passeio, e mesmo sem conhecer a cidade ainda, por falar um pouco de inglês, escolheram-me como guia, esse foi então o meu primeiro trabalho remunerado em terras britânicas, e enquanto isso, ao permanecer no navio, economizava um pouco mais com diárias de hotel. Durante esse período inicial, fiz os contatos principais, comprei o “London Alternative book”, considerado na época a bíblia dos alternativos e de gente com pouco dinheiro na capital inglesa, e comecei a procurar hotel. Assim iniciei a experiência, que durou mais de um ano em terras estrangeiras, mas que me pareceu muito mais, em razão de tantas coisas passadas e vividas, que pretendo contar em seguida, se a memória permitir, na forma de pequenos textos, para não cansar o leitor. Até a próxima vez, então.    

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Chico dos Santos




Chico dos Santos
Dos deuses, das musas, dos anjos,
Das adivinhações, das viagens,
que alucinam e elucidam,
Das aparições súbitas, repentinas,
Porque não esperadas.
Chico dos santos das gargalhadas,
Que mesmo vivendo muito distante de Ronald Laing,
Também viu a ave do paraíso,
E jamais voltará a ser o mesmo.
Chico dos Santos
Das dores e dos prazeres,
Da prudência e das loucuras mais inusitadas.
Chico dos santos da disciplina lisérgica,
Das mirações da Ayahuasca,
Da parte visionária do teste do ácido.
Chico dos santos
Dos chás amazônicos fenomenais,
Com poderes capazes de alterar o ser, a visão, o humor, o amanhã.
Chico dos Santos o reverenciado,
Chico dos Santos perdeu a memória,
Ficou e foi esquecido,
Está com o mal de Alzheimer.
Quem sabe, não quis a natureza poupá-lo,
De ter que registrar e fixar na mente,
Todos os dissabores
Daquilo que se passa em nosso país.




terça-feira, 24 de maio de 2016

Nossa, como é real!


Confesso, que quando postei pela primeira vez a charge acima, que faz a capa do post, sobre a situação política nacional, me senti pouco seguro ao publicá-la, pois temia que aquilo não retratasse de fato a nossa realidade, tal era o barulho e bombardeio na ocasião, que fazia a mídia visando criminalizar, desqualificar e desgastar o governo diariamente, e a toda a hora, a todo tempo, numa cantilena, tipo lavagem cerebral, cotidiana, massacrante, de massa, com a visão totalmente distorcida da situação real do país, com uma versão, que ainda hoje se ouve quem a defenda, de que era a presidente, quem chefiava uma quadrilha de bandidos. Pois era tudo o que a grande imprensa noticiava, bradava diariamente em letras garrafais em suas manchetes, e que imediatamente colava na mente do povo. Tudo isso, já vinha acontecendo bem antes da votação do impeachment na Câmara em 17 de abril último, e rolou durante todo o ano de 2015, e em 2016 fizeram uma pequena trégua por ocasião das festas de fim de ano e o carnaval apenas. Logo em seguida vieram com tudo para cima do governo, e não pararam a intensidade dos ataques até a votação do impeachment na Câmara. Por incrível que pareça, revendo a charge hoje, nossa! Como se tornou real! Impressionante! Diante dessa atual conjuntura nacional, sabemos que não basta mais apenas o fato, e sim as versões que são feitas desse fato. Se a versão apresentada é mentirosa, não importa nem um pouco, o que importa agora é o número de acessos na net, e se a versão mentirosa vai tocar alguém, vai sensibilizá-lo, vai colar na mente, porque será essa mente, que vai repassar adiante toda a baboseira mentirosa, que chamam eufemisticamente de narrativa da direita. Se foi assim que se deu, numa sociedade educada e sofisticada como a alemã dos anos 20 e 30, porque também não seria aqui nos trópicos, ainda um tanto atrasados em termos de cultura letrada, e mais pobres do ponto de vista econômico? Não deu outra, muita gente boa aderiu, ou foi pega, pescada, fisgada, cooptada, gente que considerava inteligente, alguns um tanto pseudo-intelectuais, também caíram nessa esparrela, entraram de gaiato na cantilena da direita golpista e aderiram de malas e cuias. Viraram defensores intransigentes do golpe, com argumentos os mais estapafúrdios, golpistas com ardor e paixão, gente sempre muito difícil para se discutir, com seríssimas alterações emocionais, porque não contra argumentam jamais, evitam apresentar o contraditório, para a discussão prosseguir, preferem ofender, desqualificar o oponente, saem do assunto completamente e partem para a grosseria, naquela coisa de querer ganhar no grito. Um horror! São horríveis! Dizem que na Alemanha nazista, era comum ouvir, que com inimigos não se discute, se elimina com eles. Também depois do golpe, que perpetraram, de forma sub-reptícia, na mão grande, no golpe baixo, no vale tudo, na política do esgoto. Esperar o quê, dessa gente, não é? Os mais otimistas dizem, que muitos se arrependerão mais adiante, alguns deles já começam a expor algum grau de insatisfação com uma coisa ou outra do ilegítimo governo Temer. Em 1964, se bem me lembro, muitos golpistas da classe média de primeira hora, a partir de certo tempo, quando o arrocho da repressão começou a botar as garras de fora, começaram a pular do barco, com ele em movimento. Muitos desses depois tiveram filhos presos, mortos ou no exílio, filhos que pegaram em armas contra um regime político, que os seus pais haviam apoiado. O cantor e compositor cearense Belchior até compôs a canção “Como nossos pais”, que ilustra e exprime em parte essa situação, essa relação, que depois também foi gravada pela genial Elis Regina, com sucesso retumbante.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Senhor Grieger




Posso ter sido deveras imprudente, mas assumi todos os riscos, quando decidi contratar um detetive de terceira, desempregado, posto para fora do serviço público, por falcatruas cometidas, durante o exercício profissional de investigador de Polícia Civil, num distante subúrbio carioca. Fiz, porque precisava continuar a estória, que estava a escrever sobre o Sr. Rui Grieger. Projeto que quase pus a perder, quando fui com muita sede ao pote nas entrevistas, muita avidez por suas estórias incríveis, o fazendo falar por horas e horas, uma vez em sua casa, mas na maioria das outras vezes em mesa de bar, regado à muita cerveja, seu combustível básico. Até o momento de fazê-lo desconfiar do ouvinte, e se recusar dali por diante, não mais me receber, nem tomar cerveja. Mesmo depois, que notei a sua zanga, proibindo-me de telefonar para o seu número de celular, continuei a circular por sua rua, vez ou outra, na busca de reencontrá-lo, procurando entender o que tinha acontecido, qual a razão do afastamento, do quase rompimento. Em algumas dessas ocasiões, sempre durante o início da noite, quando ocorre algum encontro, continua a parar, para um cumprimento rápido, a diferença agora, é que demonstra de cara, que não pode ficar muito tempo, dá logo uma desculpa, corta qualquer possibilidade de um papo mais prolongado, voltou a ser o alemão sistemático, que sempre foi, e havia suavizado um pouco no início das entrevistas, quando ainda me considerava amigo, ao preferir chamar-me mais de amigo do que pelo nome. Notei em duas ocasiões, nesses encontros casuais e involuntários, numa delas vi que vestia um agasalho de couro preto, bem característico de tribos “Leathers”, muito comum em certos Clubes e Pubs londrinos, algo próximo ao uniforme de certas tribos sadomasoquistas. Então, dessa maneira, o encontrei todo paramentado, consegui enxergar até um par de luvas do mesmo tom. Pareceu-me estar arrumado para um evento especial, porque até então, não o havia visto ainda vestido daquele jeito, para tomar cerveja no boteco da esquina, por exemplo. Aquilo tudo me fez acender uma luz amarela, de advertência, aí tem coisa, matutei. Na segunda noite então, foi luz vermelha na hora, tanto que o próprio percebeu e foi duro, seco e negativo durante o curto tempo do encontro. Passou a partir daí, demonstrar uma certa perturbação, quando me vê, e deu para dizer agora, frases do tipo: “hoje estou concentrado apenas no que vou fazer mais tarde, mandar mais um para a vala,” e outras do gênero ou parecidas. A intenção nítida e evidente, é tentar me afastar, amedrontando-me, fazendo terror, trazendo o medo para a porta da frente. Outro detalhe, que me chamou atenção, foi ter raspado completamente a cabeça, manteve a barba aparada de forma correta, mas a cabeça careca. De forma, que agora com aquelas botas negras, casaco de couro da mesma cor, luvas, o boné deve ter esquecido em casa, pensei. Se fosse um pouco mais jovem, certamente arriscaria a achar, que estava diante de um Skin Head maluco, nazistão. O homem já tem 56 anos, está perto de fazer aniversário, mas parece bem menos, talvez uns quarenta e pouco. De modo que fiquei com uma pulga atrás da orelha. Aí tem coisa, pensei. Bem, diante de tudo, não preciso dizer, que depois pensei a respeito, que história? Tudo muito curioso e intrigante, tem algo que não bate bem, não fecha a conta. Continuo confuso e sem entender direito o que se passa.
Quando algumas noites atrás reencontro Samuel no banho turco da sauna, já o havia visto antes, lá mesmo, quando então me deu o seu cartão de detetive particular. Dessa vez, sem muito assunto como sempre, porque quase nunca conversamos, não o conheço direito, só o cumprimento padrão e normal, lembrei-me do cartão de apresentação, foi o gancho, que precisava para quebrar o gelo. Não só deu-me outro, como ainda perguntou, se estava precisando de algum serviço, e aí já foi acrescentando, sem me deixar responder a primeira indagação, que não precisava me preocupar com pagamento, só recebia no final, quando entregasse o produto do seu precioso trabalho. Então, que achas? Foi a sua última pergunta.

Assuntos conexos:





 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

No outro lado da cidade

Centro de Brixton perto da estação do metrô


Onde morei por mais tempo, no período que vivi em Londres, foi na Mervan Road, Brixton, Distrito de Lambeth, sul de Londres, perto do rio Tâmisa, na sua margem sul.

Mervan Road em Brixton


Curiosamente, naquela época, diferente de Paris, onde as duas partes da cidade separadas pelo rio Sena, tanto na Rive Gauche como na Rive Droite, não se nota que está em outra cidade, ou outra parte da cidade com padrão reduzido ou muito diferente do visto em áreas mais turísticas, o padrão é mantido, embora seja natural encontrar diferenças arquitetônicas, etc. Em Londres dos anos oitenta, bastava atravessar o rio Tâmisa no sentido sul direção Distrito de Lambeth, cruzar o rio, para perceber que havia chegado ao subúrbio, e parecia um subúrbio distante.

Brixton perto da linha férrea


A região de Lambeth, onde fica Brixton, inclui também o bairro de Clapham North e Stockwell, onde foi morto o brasileiro Jean Charles em 2005, confundido com um terrorista, foi fuzilado dentro do vagão na estação de metrô. Era nessa região, que se concentrava grande parte da comunidade afro-descendente de Londres, negros de diversas origens, sobretudo da Jamaica, tanto que havia quem chamasse a região de pequena Jamaica. E tinha péssima fama, lugar de bandidos, narco-traficantes e muitos assaltos, eu mesmo fui testemunha disso, quando comecei a procurar casa, para sair do hotel, e mencionei para alguns amigos, que pretendia mudar-me para Brixton, pelos preços mais camaradas, a reação não foi nada favorável.
A feira de PortoBello Road em Notting Hill


Claro, que também tem negros em outras partes e bairros da cidade, como em Nottiing Hill por exemplo, onde tem uma feira famosa na Portobello Road, com o mesmo nome da rua, presente em todos os guias turísticos; além do carnaval no mês de agosto. Notting Hill, que já naquela época era famoso e turístico, bairro que deu até título para filme de Hollywood com Julia Roberts, coisa que Brixton daquele tempo, estava a anos luz de ser. Muito pelo contrário, Brixton era demonizado e rejeitado, como um lugar onde a burguesia mais padrão evitava por os pés, evitava mais do que qualquer coisa, e por tudo mais sagrado na vida, passar perto.
Brixton


Cheguei a ouvir também, que o nome Brixton e inferno, seria quase a mesma coisa, quase sem diferença. Já os ingleses brancos mais descolados, eram assíduos frequentadores, principalmente nos shows de música afro-caribenha, de todos os ritmos, onde se destacava, claro, o reggae. Quanto aos brancos mais intelectualizados e mais endinheirados, os burgueses, que os parisienses gostam de chamar de “bourgeoisie intellectuelle de gauche”, costumava vê-los mais no Ritzy Cinema, na audiência de filmes de arte, Fassbinder por exemplo, que passava de vez em quando. Senão, assistindo algumas das muitas conferências com noite de autógrafo junto, que rolavam no Ritzy durante a passagem de algum escritor célebre por Londres. Quer dizer, que Brixton naquela época era demonizada e evitada pelos mais bonitinhos da sociedade, mas os mais espertos, ligados e malucos, que sabiam das coisas, onde estavam acontecendo, e não se importavam nem um pouco se era ou não em Brixton, iam de qualquer jeito, iam sempre, estavam sempre por lá fazendo parte e compondo aquele cenário. De forma, que Brixton tinha muita vida, muito movimento tanto de dia, como durante a noite, pelo menos até o horário de fechamento dos pubs e metrô, the tube, como preferem dizer, algo entre 23 horas e meia noite. Depois morria completamente, pelo menos nas ruas, porque em lugares frios, as ruas durante a noite costumam ser meio vazias mesmo, tudo se passa mais nos interiores, seja o interior de um café, pub, wine bar, restaurante, ou até mesmo o interior de um lar aconchegante, onde se foi convidado para um jantar informal e casual, ou quem sabe até mesmo uma festa mais ampla, cujo dever e obrigação é portar na chegada, tanto no jantar como na festa, uma garrafa de vinho a tiracolo.

Brixton hoje

Levar um vinho, esse era o preço a pagar, sempre que pintava um convite para jantar ou uma festa, como convidado, ou convidado de convidado, o que era muito mais frequente, quase um penetra, um meio penetra. Aliás, o conceito de penetra, praticamente não existia no mesmo sentido, que é empregado no Brasil. Naquele circuito e círculo social de Brixton dos oitenta, penetra era um conceito inexistente, sobretudo entre os forasteiros, no meu grupo, por exemplo, todo mundo era penetra de alguma forma em todo aquele incrível contexto. Tinha que levar uma garrafa de vinho, senão corria o risco de não poder entrar, mas valia a pena levar o vinho, porque em geral, não sei qual a magia, talvez só um físico maluco saiba explicar a mágica, que mesmo cada convidado levando apenas uma garrafa de vinho, todo mundo no final da festa sempre tinha a sensação de ter bebido muito além da capacidade da garrafa levada, uma magia, ainda a ser explicada, ou então alguém deixou de beber, ficou sem ou bebeu muito menos. Não sei explicar direito essa matemática, porque quando me dava conta disso, já estava doido, colocado, e para mim todo mundo também estava, então tudo bem, estão todos bêbados, embriagados, de pileque, chapados, doidos, meu deus, como beberam!



Assunto conexo:
O velho Brixton está desaparecendo

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O velho Brixton está desaparecendo


Morei na Mervan Road, 38, no bairro de Brixton, última estação da linha azul do metrô de Londres no sentido sul, a “Vitoria Line”, durante seis meses no ano de 1982, onde passei todo verão, outono e o comecinho do inverno. Mudei-me para o Brixton, assim que percebi, que se quisesse prolongar a minha estadia, precisava deixar de morar em hotel, e encontrar alguma coisa para alugar. Foi quando, resolvi deixar Bayswater, onde morava numa mansarda, água-furtada, aposento que em geral, não passa de pequeno studio com janela dando, brotando por cima do teto do prédio, aquelas janelinhas nos tetos dos prédios antigos, muito comuns em cidades europeias. Bayswater, onde morei por seis semanas num “Bed and breakfast”, sexto andar sem elevador, de modo que era duro chegar lá em cima, mas depois que me aconchegava, era uma delícia. As vezes os pássaros, pombos em sua maioria, insistiam em namorar na minha janela, alguns mais atrevidos, ousavam até fazer amor na minha frente, o barulho deles perturbava um pouco a concentração nas leituras. Por perto haviam vários restaurantes gregos baratos, onde ainda se podia jantar, com uma taça de vinho incluída, por sete libras, incluído as danças típicas com músicas parecidas com “Zorba, o grego”, e quebra de pratos, o gerente confidenciou uma vez, que a crise econômica tinha levado à redução na quebra de pratos, uma coisa tradicional na cultura dos restaurantes gregos. Morar em Bayswater, me obrigava a cruzar o Hyde Park em direção ao curso de inglês, que ficava na região de Victoria Station, quase todos os dias, o que fazia quando o tempo permitia, e fazia com imenso prazer, tal a beleza de um dos mais importantes, grandes e bonitos parques reais londrinos, coisa que a maioria dos outros parques não são, ou seja, Royal Park. Assim que cheguei me hospedei em vários lugares diferentes, porque considerava que assim teria mais chances de conhecer a cidade de verdade. Comecei pelo Earls Court, depois fui para a região em torno de Vitoria Station, onde ficava o meu curso de inglês e a gare do trem para Paris. Já morando em Brixton, assisti momentos muito tensos e violentos entre a polícia e moradores, em geral homens negros jovens organizados, tumultos que provocavam além de muitas prisões, alguns incêndios em estabelecimentos comerciais, havia sempre um clima tenso no ar entre a população negra do pedaço e a polícia branca, que circulava pelo bairro.

Mercado de Brixton hoje


Por outro lado, existia uma atmosfera cultural muito viva e intensa, já que, com os aluguéis mais baratos, atraiam muitos artistas jovens, em começo de carreira, e outros nem tanto, de todos os tipos, o que dava ao lugar uma cara toda especial e peculiar, única em toda Londres daquela época, tanto que a gente andava por toda a parte de Londres a noite, procurando endereço de alguma festa nova, e não se via nada com o caráter de Brixton. Terra de David Bowie, escritores e cineastas. No Ritzy Cinema por exemplo assisti uma palestra memorável com William Burroughs, o velho beat, claro que não tanto como o psicólogo de Havard, Timothy Leary, mas também guru dos "estados alterados de consciência" e autor do viajante e delirante livro "O Almoço Nu"(The Naqued Lunch). No Brixton Fear Deal assisti show do The Clash, quando ainda estavam no auge, além do Dead Kennedy e muitos outros. É muito bom saber, que ambos ainda existem, mesmo que tenham outros nomes hoje em dia, embora o Ritzy Cinema, pelo que diz a matéria no link abaixo, tenha quase por milagre conseguido manter o velho nome, bom e importante preservar e conservar certos detalhes, que estão na memória afetiva de tanta gente. Gostava muito da feira de rua da comunidade negra do bairro, onde encontrava produtos parecidos com os do Brasil. Foi o único lugar do mundo, onde encontrei uma livraria especializada e com acervo apenas em assuntos exclusivamente NEGROS/Africa negra e suas comunidades espalhadas mundo afora. Na Londres daquela época, quem queria assistir show musical (Rock, Punk e principalmente Reggae) por bom preço, era preciso ir até ao Brixton, ou quem sabe talvez ao pequeno quartier Soho no velho centro da cidade. Ainda bem, que os primeiros filmes de Stephen Frears, como é o caso de "My beautiful laundrette", e sobretudo "Sammy and Rosie", ambos escritos e roteirizados pelo escritor paquistanês Hanif Kureishi, retratam, documentam e registram um pouco de como era a vida,  a atmosfera, o clima cultural e político, que rolava no Brixton daquela época. Uma mistura de pequenos artistas em começo de carreira, escritores de todo tipo, idades e nacionalidades, muitos músicos, muitos, a maioria atraída pela intensa atividade musical do lugar, inclusive Boy George bem jovem ainda, do início do Culture Club, um verdadeiro "melting pot". Depois que deixei Londres, só encontrei outra cidade na Europa, com a efervescência cultural similar a de Brixton, em Berlim . Agora se vier mesmo a revitalização, gentrificação ou sei lá o nome, encarecendo os aluguéis, Brixton certamente se descaracterizará completamente, será uma pena, embora para os turistas, bom deixa pra lá...

Brixton hoje em dia




segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sem esconder o jogo

Assim que vi aquele homem alto, falando alto no balcão do bar, logo de cara vi que não conhecia, chegou ao bar sozinho, desacompanhado, um pouco depois que cheguei. De imediato pensei comigo mesmo, preciso tomar cuidado, não permitir meus preconceitos depreciá-lo além da conta. Esse é o perigo de todo preconceito, quando, basta parecer, lembrar ou soar um pouco com determinado perfil, para condenarmos implacavelmente alguém, já é suficiente para metê-lo dentro daquelas coordenadas, naquela forma, naquela camisa de força da ideia preconcebida. É muito cruel e injusto, principalmente quando pensamos, que na maioria das vezes nem conhecemos suficientemente o personagem, nem sabemos como realmente é.
No caso agora em questão, o nosso personagem é mulato, 39 anos, diz ter um metro e oitenta e três, altura que o fez jogar na zaga em times de futebol amador, quando mais jovem. Ainda não sei o nome, ou esqueci completamente, de fato tenho algumas dificuldades em memorizar nomes próprios. Se fosse possível voltar no tempo, ao subúrbio do Rio dos anos sessenta e setenta, em vez de mulato, poderia escrever em seu perfil, escuro ou escurinho. Fala que é pai de seis filhos, os quatro últimos com a última mulher, de quem está se separando, apesar de continuar morando na mesma casa, com separação de corpos. Diz que já está procurando casa. Na mesma hora, vira-se em minha direção, e pergunta se sei de alguma quitinete para alugar, quando mal tinha me visto no pedaço, como se estivesse querendo puxar assunto, trazer-me para a conversa, inserir-me no papo. Respondo apenas com um “não sei”, sem demonstrar antipatia. Continua a contar a vida, fala em planos para o futuro, fala sobre tudo, fala muito, fala alto, sua voz é um pouco estridente, e algumas vezes irritante, gera no ambiente um certo mal-estar, mas ninguém reage, protesta ou se manifesta, há um clima indefinido, um grito parado no ar, o que indica, que qualquer coisa pode rolar.
Depois que conseguiu se impor pela fala, de certa forma adquiriu autoconfiança, a ponto de continuar a falar de si, sem demonstrar a menor preocupação se aquilo estava ou não enchendo o saco de alguém. Como se tornou mais natural, a tensão inicial se dissipou um pouco. Antes de se afastar em direção à toalete, pensei que estava indo embora, pois seu movimento dava indicações claras, que estivesse partindo. Colocou uma frase em tom de despedida, como se estivesse concluindo um raciocínio complicado, aproximou-se o mais que pode dos outros interlocutores, abaixa um pouco o tom de voz, e diz: "talvez tenha mais alguns filhos por aí, não tenho certeza, apenas desconfio"; em seguida se afasta rápido em direção ao sanitário.

É muito difícil estabelecer a fronteira precisa entre o preconceito e a realidade concreta do outro, da outra vida. É difícil saber, principalmente diante de um excesso de verbalidade, que por sua vez, manifesta e revela alguma coisa. No caso de nosso personagem, tudo leva a crer, que a intenção de todo o falatório, seria criar uma cortina de fumaça, para camuflar ou esconder algo. Embora tenha dito, que era trabalhador, não lembro mais do ofício, algo entre loja de lingerie ou trabalhador de obra, mas depois que vi a palma da mão aberta, descartei a opção pedreiro. Falando, lembra uma espécie de malandro, cópia serrana do modelo carioca do malandro bandido. Aquele tipo de elemento de quem se espera alguma coisa, não se sabe o que ainda, mas é bom ficar ligado, porque de gente, como o próprio, pode-se esperar qualquer coisa, até mesmo o pior. Com ou sem preconceito, é visível, que não inspira confiança. Quando morava no Rio, conheci umas meninas que curtia esse tipo de homem, o chamado amor bandido, mesmo que não fosse bandido, nem precisava ser, bastava parecer, para as gurias gamarem, sentirem um puta tesão.
O uso que faz de algumas gírias, a ênfase maior em algumas sílabas, a cantiga da fala característica, a ostentação da esperteza, como algo fundamental na autoafirmação. Um marketing de si mesmo permanente. Era visível e evidente a sua querência, estava em busca de, ou procurando algo. Como resolvi partir ao chegar ao meu limite, limite de tudo, até de cerveja, não tive como testemunhar o desfecho, como foi o final daquela noite.    

domingo, 15 de maio de 2016

Traduzir o mundo com palavras

Apenas uma pequena reflexão
Outro dia pensei na possibilidade de alguém, um sujeito qualquer, entrar numa viagem de absoluta fissura por alguma coisa, uma louca obsessão por algo, que gosta imenso de fazer, que sempre buscou, procurou e tentou fazer e não conseguiu. Dificuldades imensas impediram resultados favoráveis. E que, de uma hora para a outra, se pega captando e tendo ideias; ideias que surgem em profusão, surgem do nada. Intuições, ainda não sujas pela linguagem verbal, que passam como relâmpagos, súbitas sacações, tudo muito rápido, se não consegue fazer um registro rápido, que capte e indique os seus sinais, babau. Perde a ideia para sempre.

Pode voltar a passar por uma onda parecida, mas será outro momento no tempo, que transcorre, flui, passa rápido, e nos envelhece mais rápido ainda, além da alteração de toda a cena do crime. A fartura de ideias empodera o nosso personagem, que cria coragem, para voltar a fazer novas investidas em sua paixão no fazer, em sua arte. Põe-se novamente em atividade, em intensa atividade, como se trabalho fosse, pois cada dia que passa, a dedicação só aumenta. Se fosse possível imaginar um homem completamente apaixonado pela arte da escultura, que por “n” razões, não pode efetivar a sua arte durante muito tempo da sua vida, e quando já começava a pensar que aquilo não fosse mais pintar, mais do que de repente, num determinado dia, pega-se em pleno transe shamânico com o seu fazer, com o prazer de estar fazendo, realizando, inventando, criando, transformando ideias em objetos, criando linguagens.
Mergulha de tal forma naquele fazer, que sua vida muda, passa a ser aquilo que faz, quase um mergulho total, naquela atividade, naquela ocupação, naquele trabalho. Passa praticamente toda a sua jornada, ocupado com o trabalho de esculpir diferentes materiais, a tentar criar uma linguagem visual e plástica, dar forma a uma ideia súbita, que comunica uma mensagem determinada, não importa qual, que transmite, comunica algo. Logo, a atividade do escultor, com o uso que é feito dos materiais, possibilita que o artista dê seu recado sobre o mundo, os homens, a política ou qualquer outra coisa do cotidiano concreto. De uma forma ou de outra, consciente do conteúdo da mensagem ou não, não importa, um artista através do seu trabalho, na manipulação dos materiais que usa, interpreta o mundo onde está inserido e imerso. Haverá quem encontre outras formas de expressão. O resultado final do trabalho, da dedicação aplicada na busca de chegar ao objeto pensado, idealizado, e finalmente realizado, é expressão desse mesmo mundo.
É como se o mundo, vamos pensar agora numa ideia maluca, como se o mundo tivesse vontade, e quem sabe, de repente até tem, a vontade e o desejo de se expor, de exprimir-se de alguma forma, particularidades do mundo querendo vir à tona, querendo se expor, se apresentar, aparecer, surgir, emergir, não importa de onde. Como somos originalmente natureza, uma natureza que se fez homem, construiu consciência, conquistou liberdade e adquiriu subjetividade, de certa forma estamos dando nossa contribuição, dando de volta, em pagamento ao privilégio de saber que fazemos parte de tudo isso, e por essa razão somos e fazemos a mediação daquela necessidade de exposição e expressão do mundo, como se o mundo estivesse precisando se expor, e o faz através do homem, homem mediação, homem parte do mundo, natural e cultural, que se fez homem criando e ampliando arte, engenho, conhecimento, saberes e cultura, que gera por sua vez, mais consciência e compreensão desse planeta em trânsito e em transe permanente.

Vem chumbo grosso por aí

O saco de maldades que os conspiradores, traíras, golpistas e outras coisas mais, que não vale a pena arrolar aqui, porque são termos obscenos, como obsceno foi o golpe que deram. Dizia, que o saco de maldades está apenas começando, é só esperar mais um pouco, para ver que vem mais chumbo grosso por aí contra os mais carentes. Porque eles são neoliberais, defensores da lógica do capitalismo financeiro, do individualismo exacerbado, gente adepta da expressão: “farinha pouca o meu pirão primeiro”, de entregar todos os problemas sociais aos caprichos do mercado, do deus mercado. É outra lógica. Para essa gente não tem essa, de incluir mais, de trazer para o mercado de consumo mais gente vivendo com dignidade, viajando de avião, comprando carro e casa. Eles não gostam dessa gente feia viajando de avião, com chinelo de dedo, comendo com a boca aberta, mostrando cáries, que horror! Diz um coxinha no canto com desprezo. "Odeio gente pobre e feia, pai" diz uma menina de uns doze anos na fila do check-in no aeroporto Santos Dumont. Uma coisa! Agora o curioso, é como essa gente, que pensa dessa forma, conseguiu iludir tanta gente, gente inclusive, que se beneficiava de programas sociais do governo Dilma Rousseff, com mentiras as mais diversas.
Porque o pensamento coxinha reflete apenas uma parte da população brasileira, uma pequena fração da sociedade, quantitativamente inferior à imensa maioria dos outros brasileiros mais pobres e remediados. Mas assim mesmo conseguiram impor uma narrativa mentirosa e desqualificativa contra o governo, a ponto de se ver hoje até gente pobre repetindo as mesmas baboseiras mentirosas deles. Tiveram para isso o apoio da mídia, tiveram, é verdade, mas o governo Dilma também teve a sua parcela de culpa, em não trabalhar mais a imagem do seu governo, cuidar de divulgar mais o que era feito, dar visibilidade as coisas boas do seu governo, aos programas sociais bem sucedidos, que agora corre o enorme risco de acabar. Alguns indagam, diante de tudo isso, o que fazer? Negar, sempre negar a narrativa mentirosa e falsa da farsa do golpe parlamentar, jurídico e midiático, que deram, mas que ainda não acabou, eles não acabaram com o trabalho sujo ainda. Por enquanto estamos no intervalo do primeiro tempo, ainda resta outros quarenta e cinco minutos para o final, tem muito jogo ainda pela frente. Esse golpe não pode ser bem sucedido, não importa que eles tenham conseguido a hegemonia do discurso mentiroso, que impuseram goela abaixo da população brasileira, porque é um péssimo exemplo para as outras, ainda frágeis democracias latino-americanas. Imagina se essa moda pega, não haverá mais estabilidade democrática em parte alguma. Se num país do tamanho do Brasil isso aconteceu, imagina num país menor. Não se respeitar mais as regras do jogo democrático daqui para a frente, onde a alternância política se dá através do voto. Um risco calamitoso, muito perigoso, porque destrói a previsibilidade. Para quem tem recursos para investir, a instabilidade política não interessa nem um pouco. Portanto, vamos à luta, cada um faz ou dá o que pode, até conseguir reverter esse golpe maldito e sub-reptício.
  

sábado, 14 de maio de 2016

Opinião ou fato

O golpe, em parte, já foi dado, e parte-se agora para a segunda parte dele no Senado, que poderá levar até 180 dias de duração. A situação se inverteu de tal forma, que se antes, quem se interessava pela demora no processo era o governo, agora quem deseja procrastinar é a direita golpista. É natural, que agora, depois de milhares de espumantes abertos para celebrar a vitória da truculência do golpe de estado, eles arrefeçam um pouco do lado de lá da direita. Agora é o momento da direita inventar um discurso, precisam mais do que nunca de uma narrativa legitimadora para o golpe, algo que cole nas consciências como um vírus, e façam o povo acreditar, que essa é a verdade. Porque, não sei se já conseguiram perceber nessas últimas aparições do Temer, pelo olhar, dá para perceber, que continua com aquele seu olhar típico e característico de golpista traíra, tipo puta arrependida. Ainda não conseguiu vestir o paletó de presidente da república, não conseguiu ainda entrar no personagem, por enquanto continua muito canastrão. Daí ser necessário o ataque das esquerdas ser permanente, denunciando, desmascarando, desqualificando, e aqui faço um breve parêntesis para fazer uma paródia de uma fala de FHC, usando no caso o termo “desqualificação”. Quando foi perguntado a FHC o que se poderia ainda fazer para salvar o governo e o Brasil da situação política de crise se agravando a olhos vistos, ele respondeu que não tinha como salvar o que não podia ser salvo. Eu assisti a declaração na tevê. Então fazendo a paródia dessa ideia de FHC, se poderia dizer “como se poderia desqualificar quem não tem qualidade”. Um dos papéis do discurso ideológico, e que se faz através de manipulação, que uma ideia mentirosa seja transformada em verdade, vencem até mesmo as verdades dos fatos, como é o caso agora. Eles apostaram e colaboraram no agravamento da crise política, para aumentar a desgovernabilidade da presidente, desde o final do resultado das urnas, quando já se falava em impeachment. Investiram tudo que podiam para capitalizar a figura de Eduardo Cunha e toda a sua quadrilha de mais de cem ladrões, eleita com ajuda do dinheiro obtido por Cunha, não se sabe como, mas pode-se imaginar. Aliás, foi aí, dizem algumas não tão boas línguas, foi aí que Skaf e sua tropa de choque empresarial da Fiesp pagou realmente o pato, rolou muita grana para políticos até o desfecho final com a apoteose do 17 de abril. Pagaram um pato enorme, e o mais curioso, é ver como as pessoas não percebem, algo tão bandeira, e aceitam como natural, uma corrupção correr solta para dar um golpe num governo, que diz querer derrubar porque é corrupto. Então eu derrubo um governo corrupto, através da prática disseminada da pior corrupção possível, que é a compra de deputados no balcão de negócios do Sr. Cunha, numa conspiração em quem dá mais para derrubar a presidenta, eles gostam “só para sacanear” de dar mais ênfase no A final de presidenta. Tudo vale e tudo pode para derrubar esse governo, até coisas erradas, até o senhor Eduardo Cunha na presidência da Câmara, que apoiaram tanto, que conseguiram elegê-lo por ampla maioria sobre o segundo colocado. E o discurso contra a corrupção prosseguia, e a corrupção entre eles também, nunca se corrompeu tanto como nesse período golpista da república, não importa o preço a pagar para derrubar o governo do PT, esse era o lema em São Paulo, e que acabou se espalhando de forma virótica para o resto do país. Como são os atores principais e protagonistas da crise política, crise que acabou por contaminar a economia, claro com a instabilidade de um lado, impossível que não reflita na vontade do investidor, e afeta tudo em cadeia. Com isso, tudo piorou a partir daí, até os índices econômicos, de desemprego e inflação, que são referentes mais sensíveis ao clima político. Além da influência da crise mundial, o preço do petróleo muito menor, etc. Agora é curioso, observar a desonestidade dos partidários do golpe, em transferir toda a responsabilidade pela crise apenas para um lado da moeda, como se tivessem lavado as mãos muito sujas de todos eles, não têm nada a ver com a piora da economia do país, se o país quebrar é tudo por culpa do governo, que é incompetente e corrupto, diziam e continuam a dizer, incrível como é possível alguém em sã consciência acreditar numa fábula falsa dessa. Como é desonesto tudo isso, basta ver como votaram as pautas bombas monumentais com Cunha dando as cartas na presidência da Câmara, tal e qual um chefe mafioso, a tática do quanto pior melhor. Votaram contra até mesmo aquilo que adotaram quando foram governo.
E agora depois do golpe, com a maior cara de pau, vem a público tentar levar a população acreditar em mais mentiras. Como se fabricar a crise, já não fizesse parte da estratégia golpista para derrubar o governo. O termo desonestidade é pobre para dizer e exprimir tudo o que anda fazendo e dizendo a nossa direita golpista.Viva o fato. 

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Se não me convidam vou assim mesmo

Ainda intrigado com o sumiço e o silêncio do Sr. Rui Grieger, personagem que conseguiu a ousadia de me viciar em boas estórias em muito pouco tempo, se fosse uma droga ilícita ou não, seria muito poderosa, tal o seu poder viciante. Ontem à noite, não aguentando mais o tamanho do silêncio, e sem saber também como administrar a ansiedade, parti para o bar do Gilberto, local preferido do Sr. Rui Grieger, tem mais uns dois, que costuma frequentar, mas que faz algumas restrições.
Rui é aquele sujeito, que na linguagem popular, poderia ser considerado “sistemático”, basta apenas um gesto, uma palavra, uma olhada mal dada, qualquer coisa para o deixar chateado, o que é suficiente para não pôr mais os pés no pedaço. Foi assim que se afastou de forma peremptória do bar do Jorge, onde o encontrei no começo da amizade e batemos o nosso maior papo até hoje, já o conhecia de vista do clube, onde também não tenho mais o visto e encontrado.
O bar do Gilberto ontem não estava tão cheio, como de outras vezes, pedi uma cerveja e um pastel de carne moída, que tem sempre uma azeitona no recheio, que adoro e faço propaganda de tão bom que é, tomei um grande gole de cerveja, daqueles que lavam a alma e desce gostoso, sentei-me de frente para a porta principal, na expectativa de a qualquer momento adentrar no recinto o Sr. Grieger. Como não gosto de cerveja quente, como tomam os ingleses, sempre prefiro pedir a garrafa pequena, porque acaba mais rápido e o conteúdo permanece gelado. A primeira garrafa acabou, e nada do Sr. Grieger aparecer.

Pedi ao Gilberto a segunda garrafinha já decidido que seria a última, quando ele se aproximou com a garrafa fazendo o gesto característico de abri-la, aproveitei para indagar sobre o Rui, não tenho visto, essa semana ainda não apareceu, foi a resposta, breve, rápida e seca, concluiu dizendo não saber a razão do sumiço, antes que eu ameaçasse com qualquer outra pergunta, em seguida foi dar atenção para um jovem casal, que acabara de chegar. Bom, diante disso, parei de beber na segunda mesmo, e segui em direção ao carro, que estava estacionado umas duas quadras adiante, não tem sido mais tão fácil encontrar vagas disponíveis nessa cidade, mesmo a noite, dizem que a cidade já tem um carro para cada dois habitantes, incluindo crianças e velhos, muito carro e pouca mobilidade.

Estou pensando, hoje à noite, fazer mais uma tentativa de encontrar o Rui, caso não seja bem sucedido, vou ter que desrespeitar as suas determinações, e arriscar telefonar para o número do seu celular, pelo menos uma vez, já sei que não devo insistir, caso ele não atenda, em fazer seguidas ligações, porque isso o irrita terrivelmente.


  

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O risco do narrador virar personagem

Sem alimento para nutrir a escrita, com o repentino afastamento da fonte principal, ou seja, o senhor Rui Grieger, 56 anos. Qual um suposto dependente químico em busca de mais uma dose, ou atrás de uma chance de consegui-la, passei a mudar o itinerário, só para ter a chance de esbarrar mais uma vez com o meu personagem principal, quem sabe passando pela sua rua, pensei, não dou de cara de repente com o próprio. Não posso ser acusado de xereta, paparazzo ou coisa que o valha, afinal de contas, a rua é pública.
Normalmente por essa hora da noite, que costumo sair para as caminhadas, entre seis e sete horas, ele já costuma estar colocado, no grau etílico adequado, para viver a vida de mais uma noite, com os seus personagens típicos, a atmosfera de mistério da noite, encontrar alguém para conversar, papear, porque pelo que me disse, não gosta de beber em hora de trabalho, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", afirmou uma vez, como se estivesse a dizer uma importante máxima filosófica cheia de sabedoria, olhando-me com ar imponente enquanto ajeitava o chapéu na cabeça, exatamente na hora, que a manga curta da camisa expõe duas grandes tatuagens em seu bíceps esquerdo.

Rui Grieger é uma figura, como disse dias atrás, se fosse um pouco mais alto, seria aquilo que se costuma chamar de armário, porque é muito forte, atarracado mesmo, mas não é um corpo esculpido em academias, não é bombado, é sua natureza, sua genética favorável. De tal forma é assim, que quando narra as suas desventuras, os golpes da falta de sorte, a covardia e traição de falsos amigos, e até da tragédia que lhe aconteceu há três anos, quando foi esfaqueado, por um namorado enciumado de uma moça, que Rui andou pegando, não parece verossímil. Não é nada verossímil conseguir enxerga-lo no papel de vítima. Então, por tudo isso e à cata de mais estórias suas e de outros, continuo rondando, à espreita, tomando o devido cuidado para não parecer xereta em demasia, porque não posso desperdiçar essa fonte inesgotável de estórias, que é o Sr. Rui Grieger.
Parei de telefonar, parei em respeito às suas determinações, que a partir dali caberia somente a ele saber a hora adequada, para telefonar, ou procurar pelo celular, sempre que desse chamaria para uma cerveja, e mais um dedo de prosa como gosta de dizer, sentindo-se importante, o que é visível pelo ar no semblante.
Realmente ele é algo muito valioso, inestimável, para quem busca inspiração e ideias, acho mesmo, que até superior à penúltima descoberta.
Antes de conhecer Rui, tive a sorte de ser apresentado por um amigo comum ao Sr. Noel de Souza, 54 anos, quando batemos um papo incomensurável, mas que depois disso, misteriosamente desapareceu, não voltei mais a vê-lo, infelizmente; e também com uma história de vida muito interessante, curiosa, rica em nuances, súbitas e surpreendentes mudanças de rumo e de vida, de quem prometo mais tarde voltar a falar.

Assuntos conexos:


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Catando ideias



O meu mais novo amigo, o senhor Rui Grieger, tem sido uma inesgotável fonte de ideias interessantes nos últimos tempos, mas com um ligeiro detalhe, precisa ser movido à cerveja, haja cerveja, muita cerveja. só assim as estórias fluem soltas, muitas estórias, uma atrás da outra, numa profusão assustadora. Muita coisa se perde, não uso nenhuma tecnologia, armazeno o que posso na memória mesmo, e acabo só registrando aquilo que me fale mais alto, aquilo que me toca mais, me sensibiliza no relato. Em vista disso, tenho solicitado e procurado o Rui, mais do que a prudência manda fazer em casos de início de amizade, para não ser demais, inoportuno, chato, etc.
Gosto tanto de sua prosa, de sua forma de narrar e contar, e do conteúdo humano de todas elas, que tem sido praticamente uma das minhas fontes principais, para poder escrever as minhas ficções, sair um pouco do próprio umbigo. Portanto não me vejo sem o Rui no horizonte nesse momento, seria como perder a inspiração. Por isso fiquei muito preocupado, depois que telefonou domingo à noite, para me dar um fora, alegando ter encontrado o registro em seu celular de três ligações minhas. Como estava completamente sóbrio, parecia outra pessoa falando, contou que havia esquecido o aparelho em casa, e encontrar três ligações, era um pouco demais, o que é que eu tanto queria assim com ele? Não tive coragem de responder, que eram as suas estórias incríveis, das quais me tornara viciado, já tinha até síndrome de abstinência. Na verdade, havíamos combinado um almoço naquele domingo, e como está sem carro, pediu que o pegasse em sua casa por volta de uma da tarde, só que subitamente mudou de planos e esqueceu de avisar, mas como falou o tempo todo sem me deixar dizer nada, não pude contar a razão de ter telefonado. Preparei tudo, levei até caderno para anotar alguma ideia, se houvesse oportunidade, porque não quero parecer jornalista, repórter ou algo que o valha. Como tenho me comportado, disponibilizando uma escuta acima do normal, nesse mundo onde é cada vez mais raro encontrar quem queira escutar, onde a escuta se tornou quase uma mercadoria rara. Encantado com suas estórias, sou sempre muito atento a quase tudo que fala, presto muita atenção sem interrompê-lo, acho que isso o fascinou de alguma forma, porque como disse atrás, é cada vez mais difícil hoje em dia encontrar quem queira ouvir, dar atenção um pouco que seja, é algo raro, é difícil.
Costuma-se ouvir por aí, que para dispor de uma escuta atenta, é preciso pagar por ela, é preciso procurar um profissional, psicanalista ou prostituta. Acho isso um tanto exagerado, mas enfim não deixa de ter um fundo de verdade. Existem algumas regras básicas, que não devem ser quebradas, em qualquer tipo de relação, para evitar precoces rompimentos indesejados. Da minha parte só resta mesmo aguardar, ou quem sabe encontrá-lo por acaso, na rua ou num canto de bar, para conseguir mais subsídios e causos, e assim terminar de escrever a estória inacabada, que já passou da metade. Sei que poderei terminá-la, mesmo que não volte mais a vê-lo, como já fiz em outras ocasiões. Por enquanto só resta mesmo aguardar. 

Assuntos conexos:

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Dilemas




Acho que uma das primeiras frases, que saiu da boca de Rui, quando o conheci, foi sobre idade, 56 ou 57 anos, não lembro mais o número certo. Logo em seguida, após meia hora de conversa, deu para sacar que se tratava de mais um maior abandonado carente, mais um solitário à solta, a procura de alguma coisa, ou não, recolhido em algum canto da cidade aguardando algum milagre ou sorte, que a vida mande bater na porta.
No caso de Rui, não vamos cair no ridículo em falar em sapatinho de cristal, ou coisa parecida, pois trata-se de um marmanjo de 56 anos, muito forte, cheio de músculos, atarracado, viril, aparentemente hétero, que gosta de falar que é feio, o que em contraposição, contra argumentei afirmando tratar-se de um falso feio, que aceitou de bom grado, apesar de pouco demonstrar, senti uma leve presença de prazer em sua face, após falar em falso feio. A história dele é muito comprida, mas posso adiantar alguma coisa em forma de uma leve pincelada, para os leitores entenderem um pouco, sobre quem é o nosso amigo Rui. Conta que em seus bons tempos, quando chegava num forró em busca de mulher, era um problema danado, porque para todo lado que olhava, só via mulher que ele já tinha pego, comido, saído, tudo.
Lembrou de quando, chegando na festa com um parceiro de copo, amigo de bar, que evitava, porque preferia sair sozinho. Contou que era comum, quando chegava com o amigo, ficava cada um de seu lado apontando as vítimas, que já tinha passado na cara, na vara, ou já tinha comido, que era como preferia dizer. Mesmo sem ter perguntado nada a respeito, sentiu a necessidade em falar, que estava pobre agora, mas que já teve tudo, vivia muito bem, tinha carro do ano, que trocava sempre, tinha tudo que precisava e mais alguma coisa, que poupava sempre que possível, e por aí a fora. Continuou narrando e contando uma parte da sua vida passada, que recorda com certa nostalgia, embora afirme, aqui e ali, que se sente mais feliz agora, o que não me convence nem um pouco, mas procuro demonstrar interesse em sua história, e ele prossegue. Disse que tudo aconteceu em 2013, profissional autônomo no ramo de instalação elétrica de casas, apartamentos, lojas e salas comerciais. Sofreu um ataque de surpresa, numa certa ocasião, por um possível namorado enciumado de alguma das suas mulheres, alguma das suas comidas. Atacado à faca, quase perdeu a vida, mesmo assim teve que passar muito tempo no hospital, e depois mais algum tempo em fisioterapia. Por ser autônomo, e não podendo trabalhar, depois do ataque precisou vender quase tudo que possuía, para sobreviver. Foi assim, que perdeu tudo, e por isso estava levando hoje uma vida de pobre, de duro, quase sem dinheiro, e daí não ter mais motivação para voltar aos bailes e forrós.