domingo, 20 de novembro de 2016

Absolvição do pensamento



O sujeito chegou ao bar do clube inflamado, alterado, como se tivesse conquistado algo, como se tivesse feito um golaço, falava em tom de celebração tal o entusiasmo manifesto. O que levou os presentes a criar uma certa expectativa ansiosa, de repente todo mundo queria saber o que tinha deixado aquele sujeito em tal estado, o que o tinha abalado tanto. Foi quando confessou, que estava feliz até aquele momento, após ter sido tocado profundamente pela fala de um tele padre, que o levara às lagrimas, o emocionara profundamente. Em seguida emendou um discurso elogioso das emoções fortes, quando somos tocados por algo, não importa o que, e ficamos mexidos e tocados, que era muito bom passar por aquilo, e hoje isso tinha acabado de acontecer com ele. Considerou ser uma espécie de milagre passar por momentos como aquele, e continuou por esse caminho, no elogio das emoções e do emocionar-se, como se o fato de alguém poder passar por tal descarrego emocional, fosse motivo de comemoração. Como se o fator emocional não fosse uma experiência corriqueira e banal, que acontece a toda a hora e a toda a gente. Emocionar-se é simples e fácil, difícil é refletir e pensar. Noto que é difícil até mesmo compreender do que se trata, o exercício do pensar, o que é a atividade reflexiva. Há uma grande confusão a esse respeito entre a maioria da população. Perdemos em parte a prática de pôr “em questão” as coisas, de vez em quando, como tão bem se gostava de fazer nos anos setenta. Observo uma preponderância de um tipo de gente, para quem ‘pensar’ é um estorvo, tornou-se algo negativo, da ordem do pensamento depressivo. Algo repetitivo, torturante e patológico. Existe até uma corrente mística de inspiração indiana, me escapa o nome agora, que prega abertamente o esvaziamento total da mente, e como consequência a sua total paralisação, deixando o corpo completamente livre para curtir os sentidos e os sentimentos, que estiverem fluindo exatamente no momento. Por essas e outras, que hoje em dia tanta gente boa não tenha em boa conta a atividade da reflexão e do pensamento, infelizmente. Por isso é vital a necessidade de partir logo para um movimento de absolvição do pensamento e da reflexão, tirá-los dessa condenação burra. Porque ser movido apenas pelas emoções, é se submeter a uma limitação muito grande, é um empobrecimento mental. Como é bom ser capaz de pensar antes de dizer certas coisas, como é bom pensar num projeto, arquiteta-lo, criá-lo e reinventá-lo. O pensamento é o nosso maior aliado, sobretudo quando precisamos lidar e conviver com o outro, quando não funciona ficamos à mercê dos erros, corremos o risco de um naufrágio total, podemos sucumbir e até mesmo perder a vida.