segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A loucura no horizonte social



Lembro que no início dos oitenta, quando a Anti-psiquiatria estava no auge, pelo menos aqui pelos trópicos, era comum escutar nesse meio, da parte de gente interessada nessa corrente anti-psiquiátrica, uma anedota muito corrente. Dizia-se, que deveria-se evitar de todas as formas, qualquer tipo de viagem através da loucura, tipo Mary Barnes, devia-se fazer de tudo, psicoterapia e o escambau para não entrar nessa, que era uma roubada. Se em último caso, não tivesse jeito, o sujeito vacilasse e perdesse as estribeiras, que pelo menos enlouquecesse apenas na esfera da instituição psiquiátrica, mas jamais socialmente. Em suma era um: “enlouqueça mas não bandeire socialmente”. E é curioso, porque mesmo a anedota tendo partido de adeptos da Anti-psiquiatria, era certo que não partira da liderança intelectual do movimento, pelo menos de suas duas principais cabeças, Ronald Laing e David Cooper, que não tinham nada a ver com essa frase, anedota ou postura. Porque se bem me lembro, era o momento para enlouquecer mesmo em nosso país, não se podia fazer política por causa do regime de força da ditadura militar, de sorte que sobrava poucas alternativas na órbita cultural e de engajamento político. Falava-se que o resultado da repressão do regime contra a população, era o desbunde da porra-louquice, a adesão ou cooptação do "Brasil ame-o ou deixe-o", ou a ruptura psicótica. Muita gente boa estava embarcando nas viagens de ácido lisérgico, o LSD, e o movimento do grupo liderado pela “Philadelfia Association” londrina era aparentemente um movimento libertário, dava ares de libertário, porque foi o movimento que começou a ecoar pela primeira vez o discurso dos direitos dos loucos, que deveriam receber um tratamento mais humanitário, mais justo e cidadão do que vinham recebendo até então em todos os asilos e instituições mundo afora, lutavam enfim por todas essas causas. Fazendo uma política setorizada, a exigir mais poder para os doentes mentais, até mesmo questionando a legitimidade do encarceramento dos loucos, como até então vinha acontecendo por toda a parte. A própria Mary Barnes, que foi celebrizada mundo afora através do seu livro: “Viagem através da Loucura” escrito em coautoria com o seu psicoterapeuta Joseph Berke, foi paciente do grupo de psicoterapia da Philadelfia Association londrina mesmo sendo americana, o próprio psicoterapeuta dela o Dr. Joseph Berke também era norte americano. A Anti-psiquiatria foi muito influente em solo americano, com o seu viés existencialista sartriano do "Ser e o Nada", sobretudo na psicoterapia, apesar de na época ter conhecido gente, que considerava Sartre um psicólogo de meia tigela, nunca diziam porque, mas enfim eram os comentários depreciativos desse tipo proferidos por quem era contra o movimento. A Anti-psiquiatria chegou a influenciar até filmes de Hollywood, como é o caso do filme "O Estranho no Ninho" protagonizado por Jack Nicholson por exemplo. De modo que naquele momento a loucura estava muito em voga, ou pelo menos passou a ser mais falada, muito mais comentada do que antes. Se as pessoas estavam pirando bem mais ou bem menos não era esse o ponto, falava-se muito sobre loucura, e assistia-se efetivamente gente entrando em ruptura psicótica, saindo ou entrando em órbita, quem não teve algum vizinho que tivesse pirado? Atribuía-se muitas vezes a influência da maconha ou Cannabis, enlouqueceu porque fumou muita maconha e não segurou a onda, era comum se ouvir. E quando disse que achei curioso, é porque o foco estava em cima da loucura, dos distúrbios mentais, era uma corrente alternativa para o tratamento psiquiátrico, e como eram o oposto do oposto, o avesso do avesso do movimento psiquiátrico oficial, do stablishment médico da época, era natural que se ocupassem mais com a parte clínica, e assim não sobrasse quase tempo para uma reflexão mais intensa sobre o social, embora fossem capazes de fazê-lo caso tivessem tido mais tempo de vida, como é o caso de Laing por exemplo, que era um cientista sério e que morreu com pouco mais de cinquenta anos de ataque cardíaco, apesar de todos os seus testes de ácido, que gostava de fazer regularmente. E não estava absolutamente em pauta esconder nada da sociedade, muito menos a loucura, que quando se manifestava não tinha como escondê-la de forma nenhuma, não tinha como, e esse não era para um movimento libertário, como era a corrente anti-psiquiátrica, capitaneada pela instituição de ensino e pesquisa a Philadelfia Association, com sede em Londres, ter como objetivo procurar camuflar, esconder ou escamotear da sociedade um fenômeno como a loucura. Aliás, muito pelo contrário, como bom movimento Psi com forte presença no tratamento de distúrbios mentais e outros mais leves, alguns tratados até mesmo com o auxílio e uso de substâncias alucinógenas, como a radical narcoterapia, queriam e desejavam que seus membros assumissem cada vez mais através de diversas formas de "outing", todos os conteúdos apreendidos através das experiências vivenciadas nos diversos e diferentes tratamentos empreendidos.

domingo, 25 de dezembro de 2016

O combate teórico contra o estruturalismo pós-moderno


Nunca é demais disponibilizar e exibir um trecho da página 125, capítulo dois do genial livro de Fredric Jameson, O inconsciente político (a narrativa como ato socialmente simbólico), que considero bastante ilustrativo do título acima como segue:

“(...) uma crítica dialética das categorias da semiótica e do método narrativo deve historicizar essas categorias relacionando o que são aparentemente apenas questões e dilemas de metodologia com toda a atual crítica filosófica do sujeito, como ela parte de Lacan, Freud e Nietzsche e se desenvolve no pós-estruturalismo. Esses textos filosóficos, com seus ataques ao humanismo (Althusser), sua celebração do “fim do Homem” (Foucault), seus ideais de dissémination ou derive (Derrida, Lyotard), sua valorização da escrita esquizofrênica e da experiência esquizofrênica (Deleuze), podem, no presente contexto, ser tomados como sintomas ou testemunhos de uma modificação da experiência do sujeito no capitalismo de consumo ou do monopólio tardio: uma experiência que é evidentemente capaz de acomodar um sentido muito mais amplo de dispersão psíquica, fragmentação, quedas de “niveau”, fantasia e dimensões projetivas, sensações alucinógenas e descontinuidades temporais, que, digamos, os vitorianos podiam reconhecer. De um ponto de vista marxista, essa experiência de descentramento do sujeito e as teorias, predominantemente psicanalíticas, que foram elaboradas para mapeá-lo devem ser vistas como sinais da dissolução de uma ideologia essencialmente burguesa do sujeito e da unidade ou identidade psíquica (o que era chamado de “individualismo burguês”); mas podemos admitir o valor descritivo da crítica pós-estruturalista do “sujeito” sem necessariamente endossar o ideal esquizofrênico que ela tende a projetar. Para o marxismo, na verdade, apenas o surgimento de um mundo social pós-individualista, só a reinvenção do coletivo e do associativo podem conseguir de maneira concreta a “descentralização” do sujeito individual exigida por esses diagnósticos; somente uma forma nova e original da vida social coletiva pode suplantar o isolamento e a autonomia monádica dos antigos sujeitos burgueses de tal forma que a consciência individual possa ser vivida – e não apenas teorizada – como “efeito de estrutura” (Lacan).

Assunto conexo: O sentido da crítica cultural