sábado, 28 de maio de 2016

Em terras da rainha


Aos trinta anos, começo a encontrar alguns indícios do que gostaria de fazer, algo diferente do que vinha fazendo até então. Na primeira tentativa logrei uma frustração muito grande ao não receber a bolsa, que permitiria me sustentar, enquanto escrevia a dissertação de Mestrado de Filosofia no IFCS/RJ. Com isso, foi descartada a primeira tentativa de mudança de vida, já que buscava a alternativa no ensino superior em universidades públicas, onde o Mestrado era a condição fundamental para ingresso. Ao voltar às minhas atividades profissionais na área de Shipping, num ambiente refrigerado e cheio de engravatados, a insatisfação continuou e era grande, sabia que precisava mudar, precisava encontrar outra maneira de ganhar a vida. Mas não havia jeito de mudar, nem mesmo com o auxílio da psicanálise, primeiro porque, a perda da bolsa de mestrado era muito recente, e ainda não havia encontrado outra alternativa clara, havia indícios ainda nebulosos; e segundo, porque era muito difícil largar, abandonar algo que vinha fazendo há dez anos, trocar o certo pelo duvidoso. Começava a me estabilizar profissionalmente, era bom naquilo que fazia, não era brilhante, mas quase impecável, pois raramente cometia erros. Ganhava a vida em algo, que sabia fazer muito bem, mas não amava, e isso incomodava. Com a passagem do tempo, parecia que a situação se agravava cada vez mais, gerando angústias, principalmente a partir do momento, que comecei a ter certo reconhecimento no mercado, inclusive com reflexo em minha remuneração. Como era expert em fretes marítimos de cargas, era de certa forma, disputado no mercado, e como o mercado de profissionais nesse ramo era restrito e constituído de gente muito mais velha, passei a ser a bola da vez, convites não faltavam me assediando, com propostas salariais melhores. Via a possibilidade de escapar se afastando cada dia que passava. Tanto, que quando anunciei o meu desligamento da empresa, para uma temporada em Londres, capital mundial do Shipping na ocasião. Para minha surpresa, fui até incentivado pela chefia, a me aperfeiçoar no assunto, quando chegasse à Inglaterra. Assim o meu futuro estaria assegurado de forma definitiva, quando retomasse o meu lugar na volta. Não faziam a menor ideia do que se passava em minha cabeça. Não que procurasse as luzes da ribalta, como sonhara na adolescência, mas procurava por algo, que proporcionasse mais alegria e satisfação, que fizesse com mais amor e dedicação, que não fosse um estorvo, que a cada dia passado só aumentava.

Ganhei a passagem de ida em navio mercante de carga, com direito a camarote exclusivo, pequeno apartamento, uma saleta com sofá e mesa, quarto com cama de casal e toalete com ducha de água quente. Embarquei no porto de Santos, São Paulo, um pouco depois do carnaval de 1982. Uma viagem de quatorze dias, que transcorreu tranquila, sem mar agitado, sem enjoos, li bastante, e fazia as refeições junto com os comandantes e familiares de tripulantes. Viagem que findou no terminal portuário de Tilbery Town, na grande Londres, que me contaram outro dia, não existir mais, não a cidade, claro, mas o porto. Ao chegar a Londres, o navio com alguns problemas mecânicos, foi obrigado a permanecer ancorado por mais sete dias. Ao saber disso, resolvi permanecer hospedado no navio, já havia feito amizade com familiares da tripulação, que viajavam a passeio, e mesmo sem conhecer a cidade ainda, por falar um pouco de inglês, escolheram-me como guia, esse foi então o meu primeiro trabalho remunerado em terras britânicas, e enquanto isso, ao permanecer no navio, economizava um pouco mais com diárias de hotel. Durante esse período inicial, fiz os contatos principais, comprei o “London Alternative book”, considerado na época a bíblia dos alternativos e de gente com pouco dinheiro na capital inglesa, e comecei a procurar hotel. Assim iniciei a experiência, que durou mais de um ano em terras estrangeiras, mas que me pareceu muito mais, em razão de tantas coisas passadas e vividas, que pretendo contar em seguida, se a memória permitir, na forma de pequenos textos, para não cansar o leitor. Até a próxima vez, então.    

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