sexta-feira, 20 de maio de 2016

No outro lado da cidade

Centro de Brixton perto da estação do metrô


Onde morei por mais tempo, no período que vivi em Londres, foi na Mervan Road, Brixton, Distrito de Lambeth, sul de Londres, perto do rio Tâmisa, na sua margem sul.

Mervan Road em Brixton


Curiosamente, naquela época, diferente de Paris, onde as duas partes da cidade separadas pelo rio Sena, tanto na Rive Gauche como na Rive Droite, não se nota que está em outra cidade, ou outra parte da cidade com padrão reduzido ou muito diferente do visto em áreas mais turísticas, o padrão é mantido, embora seja natural encontrar diferenças arquitetônicas, etc. Em Londres dos anos oitenta, bastava atravessar o rio Tâmisa no sentido sul direção Distrito de Lambeth, cruzar o rio, para perceber que havia chegado ao subúrbio, e parecia um subúrbio distante.

Brixton perto da linha férrea


A região de Lambeth, onde fica Brixton, inclui também o bairro de Clapham North e Stockwell, onde foi morto o brasileiro Jean Charles em 2005, confundido com um terrorista, foi fuzilado dentro do vagão na estação de metrô. Era nessa região, que se concentrava grande parte da comunidade afro-descendente de Londres, negros de diversas origens, sobretudo da Jamaica, tanto que havia quem chamasse a região de pequena Jamaica. E tinha péssima fama, lugar de bandidos, narco-traficantes e muitos assaltos, eu mesmo fui testemunha disso, quando comecei a procurar casa, para sair do hotel, e mencionei para alguns amigos, que pretendia mudar-me para Brixton, pelos preços mais camaradas, a reação não foi nada favorável.
A feira de PortoBello Road em Notting Hill


Claro, que também tem negros em outras partes e bairros da cidade, como em Nottiing Hill por exemplo, onde tem uma feira famosa na Portobello Road, com o mesmo nome da rua, presente em todos os guias turísticos; além do carnaval no mês de agosto. Notting Hill, que já naquela época era famoso e turístico, bairro que deu até título para filme de Hollywood com Julia Roberts, coisa que Brixton daquele tempo, estava a anos luz de ser. Muito pelo contrário, Brixton era demonizado e rejeitado, como um lugar onde a burguesia mais padrão evitava por os pés, evitava mais do que qualquer coisa, e por tudo mais sagrado na vida, passar perto.
Brixton


Cheguei a ouvir também, que o nome Brixton e inferno, seria quase a mesma coisa, quase sem diferença. Já os ingleses brancos mais descolados, eram assíduos frequentadores, principalmente nos shows de música afro-caribenha, de todos os ritmos, onde se destacava, claro, o reggae. Quanto aos brancos mais intelectualizados e mais endinheirados, os burgueses, que os parisienses gostam de chamar de “bourgeoisie intellectuelle de gauche”, costumava vê-los mais no Ritzy Cinema, na audiência de filmes de arte, Fassbinder por exemplo, que passava de vez em quando. Senão, assistindo algumas das muitas conferências com noite de autógrafo junto, que rolavam no Ritzy durante a passagem de algum escritor célebre por Londres. Quer dizer, que Brixton naquela época era demonizada e evitada pelos mais bonitinhos da sociedade, mas os mais espertos, ligados e malucos, que sabiam das coisas, onde estavam acontecendo, e não se importavam nem um pouco se era ou não em Brixton, iam de qualquer jeito, iam sempre, estavam sempre por lá fazendo parte e compondo aquele cenário. De forma, que Brixton tinha muita vida, muito movimento tanto de dia, como durante a noite, pelo menos até o horário de fechamento dos pubs e metrô, the tube, como preferem dizer, algo entre 23 horas e meia noite. Depois morria completamente, pelo menos nas ruas, porque em lugares frios, as ruas durante a noite costumam ser meio vazias mesmo, tudo se passa mais nos interiores, seja o interior de um café, pub, wine bar, restaurante, ou até mesmo o interior de um lar aconchegante, onde se foi convidado para um jantar informal e casual, ou quem sabe até mesmo uma festa mais ampla, cujo dever e obrigação é portar na chegada, tanto no jantar como na festa, uma garrafa de vinho a tiracolo.

Brixton hoje

Levar um vinho, esse era o preço a pagar, sempre que pintava um convite para jantar ou uma festa, como convidado, ou convidado de convidado, o que era muito mais frequente, quase um penetra, um meio penetra. Aliás, o conceito de penetra, praticamente não existia no mesmo sentido, que é empregado no Brasil. Naquele circuito e círculo social de Brixton dos oitenta, penetra era um conceito inexistente, sobretudo entre os forasteiros, no meu grupo, por exemplo, todo mundo era penetra de alguma forma em todo aquele incrível contexto. Tinha que levar uma garrafa de vinho, senão corria o risco de não poder entrar, mas valia a pena levar o vinho, porque em geral, não sei qual a magia, talvez só um físico maluco saiba explicar a mágica, que mesmo cada convidado levando apenas uma garrafa de vinho, todo mundo no final da festa sempre tinha a sensação de ter bebido muito além da capacidade da garrafa levada, uma magia, ainda a ser explicada, ou então alguém deixou de beber, ficou sem ou bebeu muito menos. Não sei explicar direito essa matemática, porque quando me dava conta disso, já estava doido, colocado, e para mim todo mundo também estava, então tudo bem, estão todos bêbados, embriagados, de pileque, chapados, doidos, meu deus, como beberam!



Assunto conexo:
O velho Brixton está desaparecendo

Nenhum comentário:

Postar um comentário