segunda-feira, 7 de março de 2016

ILS SONT TOUJOURS DESOLÉ


Uma nota marcante da minha última viagem à Paris, foi o fato de ouvir tanta gente, na maioria estrangeiros, é bom que se diga; a reclamar contra a expressão que dá título ao presente texto: "je suis desolé". É intrigante para muita gente hoje em dia, que fenômeno é esse, que faz Paris ainda continuar a ser procurada e visitada por uma quantidade tão incomensuravelmente grande de forasteiros; mesmo não sendo mais a mítica cidade que foi no passado. A cidade luz, capital do iluminismo, da revolução francesa, do célebre lema de mais liberdade, igualdade e fraternidade, terra de grandes escritores, grandes sábios e pensadores, sobretudo na política e na filosofia, além de ter sido escolhida como residência permanente para tantos gênios da pintura, da música e da dança, e até da ciência. Não, Paris não é nada disso mais, isso tudo é passado, está registrado e documentado nos museus, não se vive mais esse clima cultural e nem essa atmosfera cultural intensa do século passado, ao andar pelas ruas parisienses de hoje em dia. O movimento que perdurou durante muito tempo no dia a dia dos cidadãos daquela grande cidade, quase uma capital mundial, na verdade era uma onda, que vinha desde o tempo do iluminismo no século XVIII, e que durou, na minha opinião até a morte do filósofo Michel Foucault em 1984, em 1980 morreu o maior de todos eles, Jean-Paul Sartre. A partir daí foi só queda, porque não quero usar o termo decadência. A França ficou órfã da presença de um "maître penseur". Há, é claro, as suas obras sendo republicadas quase que permanentemente, sem dúvida, mas não existe mais aquela grande referência viva, trabalhando e publicando de vez em quando alguma coisa relevante, que toda a gente espera chegar, como quando se esperava o novo filme de Fellini com alguma ansiedade nos anos setenta do século passado. Gradativamente Paris foi perdendo as suas principais referências, e não conseguindo ao mesmo tempo repô-las. Por essa razão, é que chama tanta atenção o fenômeno da quantidade incrível de tantos turistas ainda nos dias de hoje, mesmo fora da alta temporada, por todo o canto que se ande, sempre se esbarra com muitos estrangeiros, de diferentes origens e nacionalidades. Por que? Por outro lado, é fato que o perfil do visitante também muda com a passagem do tempo. Observei dessa vez, grandes hordas de turistas asiáticos, muitos japoneses incluídos, esperando que as portas da Galerie Lafayette fossem abertas para eles, na verdade a loja já estava aberta ao público comum, agora no caso dos asiáticos, a coisa era organizada de outra forma, eles adentravam na loja somente em grupos com um limite fixo no número de indivíduos por grupo, enquanto isso, os outros esperavam lá fora sob o sol ou chuva se fosse o caso, porque todo o dia é a mesma coisa, lá estão eles novamente. E os preços da loja são bem caros, cheguei a entrar só de curiosidade, para saber o que tinha ali de tão especial, para todo aquele sacrifício asiático ser feito daquela forma, juro que nada que vi me interessasse ou me tocasse de forma especial, só me assustei com os preços, com coisas muito mais caras de algo similar, que havia visto no Boulevard Saint German por exemplo, que já é, por sua vez, um lugar também caro. Diante disso, entendi que a quantidade de visitantes hoje está a mesma ou maior do que antes, por razões diferentes, que antes fazia alguém escolher Paris e não outra cidade. São outros tempos. Voltando à nota marcante, agora foi curioso ver tanta gente reclamando do maldito "je suis desolé" dos parisienses, se décadas atrás já se via um ou outro parisiense dizendo: "je suis desolé", quando algum estrangeiro, mal informado, o parasse para solicitar uma determinada informação, diziam que não sabiam e no final, concluíam com: "je suis desolé", em seguida viravam as costas e partiam, nos deixando com cara de tacho. Mas era raro acontecer, muito raro, só mesmo uma vez ou outra, se escutava essa expressão, na maioria das vezes, os franceses, costumavam dar de ombro e nem ouviam direito o que lhes fosse perguntado, passavam batidos e sumiam. Hoje virou uma frase tipo forma pronta, padrão de descartar estrangeiro, todo mundo, digo todo parisiense a utiliza. Depois de ouvir tanta queixa contra aquela expressão verbal eu mesmo fui a luta, fui checar e testar na prática, ver como isso se dava, e saí por aí a fazer perguntas aos desconhecidos e recebi em troca muitos "je suis desolé" pela cara, alguns com um tom a mais ou a menos de ironia ou maldade mesmo, e olha que falo francês com alguma fluência, mesmo assim era fatal receber um "je suis desolé" no final. Por isso a regra básica em Paris hoje em dia, para quem é de fora e não conhece a cidade direito, quando precisar de uma informação, procurar sempre os serviços públicos próprios e específicos, para esse tipo de atendimento, jamais parar um estranho e desconhecido na rua, a não ser que na hora H esteja passando por você um agente público, policial ou guarda uniformizado. Um francês que conheci num Café e trocamos uns minutos de prosa, demonstrando já estar de saco cheio de turistas, disse que não entendia porque Paris ainda atraía tanta gente, que jamais perderia o tempo de férias dele em cidades do porte de Paris, que não valia a pena por uma série de razões, preferia muito mais as ilhas gregas, ou as praias da costa sul da Turquia e por último o sul da Itália. Nada mal para umas férias, sem dúvida, mas não se viaja apenas nas férias, ainda bem.

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