segunda-feira, 14 de março de 2016

Um certo olhar



Um certo olhar

Assistindo um documentário sobre a biografia de Bob Dylan, observei o ator, que fazia o músico, dizer numa fala do roteiro: "quando se tem amor e sexo envolvido, fica muito difícil saber porque, e como, as coisas acontecem". Resolvi que seria bom antecipar a volta para casa, fazer o check-out do hotel mais cedo, encerrar a conta e entregar a chave do quarto antes do previsto, contrariando a intenção inicialmente prevista de almoçar com umas amigas antes do retorno definitivo. Ao entrar no saguão principal do hotel vindo do quarto, já com as bagagens e a chave na mão, dei de cara com Tiago sentado no sofá da sala de espera. Encontrei o seu olhar enquanto me movimentava para entregar a chave na recepção, e não foi nada bom o que vi. Um olhar feio, cheio de maldades e ondas ruins. É muito difícil descrever esse tipo de impressão, pois envolve uma série de sentimentos complexos, num campo das relações humanas bem particular, que é quando verdadeiramente se chega o mais próximo possível do outro, independente de que haja correspondência ou não no mesmo nível e na mesma direção. Na hora passei batido, apenas registrei o olhar negativo e segui em frente, e logo avistei as amigas sentadas um pouco mais adiante em volta de uma mesa ainda do café da manhã.

Ao sentar-me, servi-me de um bom copo de suco de laranja e me pus a falar e conversar, uma conversa que precisava fazer "tête à tête", na busca de compreender e saber como se deu a morte de um amigo comum recentemente, o que só havia feito até então por telefone, e aquela era uma boa e rara oportunidade. Durante a conversa, confesso que permaneci meio dividido, aquele olhar enviesado não me saía da cabeça, sentia que precisava terminar a conversa e partir, botar o pé literalmente na estrada. Coisa que interferiu o tempo todo no bate papo. Agora, depois de tudo que se deu, posso reforçar a convicção com segurança, que havia uma dose de ódio muito forte naquele olhar. Mas só depois de algum tempo e com o desdobramento posterior, é que posso realmente me dar conta da força expressiva daquele olhar, no sentido de que era uma coisa mais voltada para o lado negativo, o lado mau. Todos os nomes que existem para tal sentimento, dentre os quais: raiva, ódio, rancor, mágoa, ressentimento, etc., em diferentes tonalidades e matizes era o único recurso que tinha em mente, o recurso linguístico, precisava nomear aquele olhar, e dessa forma fazia um esforço tremendo em busca de entender o que estava rolando, saber porquê. Embora houvesse um detalhe curioso nessa história e nesse olhar, foi descobrir que o corpo não acompanhava o olhar, não estava em sintonia com ele. É muito louco poder dizer, que nesse caso o corpo contava muito pouco, ou quase nada. Por outro lado, sabemos que a dicotomia entre um estado de espírito e outro, isto é, entre amor e ódio seja ilusória, porque não se deixa um sentimento e entra em outro assim de estalo, de supetão, como quem muda de veículo no transporte público. Entre um sentimento e outro há toda uma zona grande de diferenciação, com pequenos e sutis graus de diferença tanto numa como na outra direção, sentido e rumo. Mas naquela hora, sentado no sofá, não lembro mais se assistia tevê ou não, passar pelo saguão e encontrar um olhar com toda aquela carga negativa, foi terrível, muito embora na hora tenha conseguido me manter firme e controlar bem a situação. Outro ponto marcante nesse episódio foi descobrir o quanto nosso agir, as escolhas e tomadas de decisão imediatas, não são deliberadamente conscientes e racionais, de onde deriva muitos arrependimentos futuros por conta de súbitas e intempestivas ações. Quem sabe uma pesquisa futura feita com afinco, venha revelar: o quanto de mitificação da realidade existe nessas súbitas tomadas de decisão e escolhas. É possível algum autocontrole? É claro que algum nível de controle é possível. Agora isso vai depender de uma série de fatores, como por exemplo, idade, sexo, orientação, nível econômico e educacional, além de escala de valores, etc., e até mesmo o momento, que se está a passar, e toda conjuntura vigente. Como costumamos flutuar entre momentos de euforia e depressão em variados graus, essa volatilidade emocional e afetiva também influi e afeta o nível de consciência das escolhas e decisões tomadas. O que pode levar muitas vezes, se tomar as decisões mais estapafúrdias possíveis. Posso garantir que fica muito prejudicada a nossa capacidade de pensar e refletir nessas horas. Ainda não consegui descobrir, nem sei por que cargas d’água, aquilo tudo que passou naquela manhã, não ajudou a acender a luz amarela de advertência, restou apenas um breve registro na memória para uma análise posterior, só isso e apenas isso. A ponto de não ser suficiente nem para determinar as minhas tomadas de decisões seguintes, nem ao menos fui capaz de me tornar mais prudente dali em diante, mais vigilante e diligente. Pelo contrário, me mantive praticamente do mesmo jeito, que vinha me mantendo até ali, não relaxei totalmente e nem tampouco fiquei tenso. Apenas tomei a decisão, que era hora de voltar, entrei no carro em direção à Nova Friburgo sentido Rio das Ostras, com a determinação que precisava economizar um pouco de gasolina e cortar caminho, reduzindo a quilometragem da viagem de volta, evitando um grande trecho da BR-101, entre o trevo de Macaé e Rio Dourado, onde tem um intenso tráfego de grandes carretas e em consequência muito risco de acidente.




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