quarta-feira, 9 de março de 2016

Filósofos na área



Não se fazem mais filósofos como antigamente
Volta e meia, tenho observado gente, se apresentando como "filósofo" em artigos publicados pela imprensa leiga e de massa, alguns até com entrevistas. O que a princípio poderia ser avaliado como algo alvissareiro, bons os tempos em que filósofos escrevem artigos para a imprensa de massa e até dão entrevistas, nem tudo está perdido, existe luz no fim do túnel. Ledo engano. Apesar dessas súbitas aparições, depois que lemos o artigo, ficamos na mesma, isto é, sem saber nada a respeito do pensamento do “filósofo”, porque ele escreve e publica, mas não se expõe jamais naquilo que escreve, e assim se torna uma tarefa impossível saber o que pensa. De posse do nome do suposto “filósofo”, autor do artigo, vamos ao Google em busca de saber algo a respeito do indivíduo que se diz filósofo, e nada ou quase nada é encontrado, quase uma frustração e desapontamento, não fosse verificar logo a seguir, que é muito raro achar qualquer coisa, que indique, pelo menos, o que pensa o tal "filósofo". Não se acha uma nota que seja, em forma de comentário assinado pelo suposto filósofo sobre textos publicados por outros articulistas, NADA. Jamais se posiciona, publica comentário sobre textos alheios, e muito menos prestigia o trabalho de um colega. Tudo funciona, como se o suposto "filósofo" fosse invisível ou tivesse sido salvo, semelhante um arquivo de internet, nas nuvens, como se costuma dizer agora. Além de não ser nada fácil saber o que pensa, pela quase total falta de exposição e de excesso de reserva do suposto “filósofo”, já que quase nunca se expõe. TAMBÉM não adianta, se o objetivo for procurar conhecê-lo melhor, tentar assistir uma palestra sua sobre um pensador qualquer, Kant por exemplo, proferida por algum deles. Porque o máximo que vai conseguir, será saber um pouquinho mais sobre o pensamento do sábio alemão, nada que revele o pensamento próprio do conferencista, que continua mais fechado que uma ostra. E continua tudo do mesmo jeito, sem a presença do contraditório. Continua, portanto, se apresentando por aí a fora, como se filósofo fosse. Mas que filósofo é esse que não se manifesta, que não exibe aquilo que pensa, que não mostra a cara, que não se expõe, que está sempre atrás do biombo filosófico, ou seja por trás das outras filosofias já pensadas e filosofadas? É só filosofia já filosofada, congelada e mumificada dos manuais, e arquivada nos escaninhos da mente do suposto filósofo, pronta para ser exibida quando surgir uma oportunidade. Um saber acumulado e morto, que descontextualizado, praticamente não serve pra nada, a não ser mostrar para os simples mortais, que sabe mais filosofia, que conhece mais sobre Kant, do que qualquer um de nós. Algo similar ao saber bancário, tantas vezes mencionado na obra de Paulo Freire. Um saber quase nulo e inútil. Considero uma contradição nos termos, alguém se dizer filósofo e ser incapaz de questionar o mundo que o cerca, a conjuntura política, cultural, etc., ter um pensamento próprio, em suma PENSAR no verdadeiro sentido da palavra. Limita-se apenas a ser um eterno replicante de pensamentos alheios. Não consegue encontrar motivo para dar uma aplicação mais pragmática, a tudo aquilo que leu e continua lendo todos os dias de forma compulsiva e compulsoria de teoria filosófica. A não ser preparar de vez em quando, uma palestra sobre algum ponto do pensamento de Levinas, Merleau-Ponty, Heidegger e outros. Será que é só e tão somente só isso, a que se resume a atividade filosófica? Não, não pode ser, claro que não é, a própria história da filosofia mostra que não. A filosofia é um instrumento valioso e poderoso no auxílio da investigação e da pesquisa na vida de qualquer pensador. A teoria filosófica, pode ser bem aplicada, quando instrumentaliza o investigador a inquirir a realidade concreta com muito mais perspicácia e gabarito, ajuda a revelar as conexões nem sempre aparentes dos fenômenos. A Filosofia bem aplicada torna-se uma espécie de má consciência da realidade de uma sociedade, por sua capacidade de desvelamento e desmascaramento do que está implícito ou escondido, porque foi exatamente dessa maneira que fizeram os filósofos mais consequentes de ontem. Por essa razão, e não por outra, que a reflexão filosófica não consegue agradar nem um pouco, aos regimes políticos autoritários e de exceção, aos ditadores da vez e a todos os poderosos de plantão. O que pode levar quem faz filosofia de forma consequente, correr certos riscos, inclusive uma condenação à morte, como foi o caso de Sócrates e Giordano Bruno. Mesmo não sendo um país de alguma tradição no campo teórico, o Brasil durante a ditadura militar de 1964, sofreu muito e teve perdas monumentais na área das ciências humanas em geral, o ensino de Filosofia por exemplo foi banido por completo da grade curricular do ensino médio, e só retornou após o fim da ditadura. E por pouco, mas muito pouco mesmo, a ditadura militar brasileira não conseguiu terminar o trabalho sujo, que era acabar de forma definitiva com o ensino de Filosofia nos cursos superiores, tanto o de licenciatura na formação de professores, como também o de graduação das universidades federais pelo país afora. Além da cassação, expulsão, prisão e por último o exílio voluntário dos principais expoentes do ensino de Filosofia, Sociologia e outras disciplinas questionadoras do ensino superior. Até na área da pesquisa científica, o Instituto Oswaldo Cruz foi um dos que foi atingido em cheio, com a prisão de doze de seus principais pesquisadores, uma verdadeira caça às bruxas. Excelentes mestres foram postos para fora da universidade, como foi o caso do genial professor Rolando Corbisier, de quem tive a honra de ter sido aluno, grande mestre, de saudosa memória. Enquanto isso, aquele suposto "filósofo" continua publicando de vez em quando, artigos na imprensa leiga, sobre o pensamento de algum filósofo consagrado de ontem ou de hoje, e no final do seu pequeno texto assina: "filósofo" fulano de tal, sem absolutamente se abalar com nada. Porque como não é capaz de pensar, de refletir sobre a realidade concreta do mundo a seu redor, acaba por passar praticamente invisível e incólume diante dos fatos, não incomoda nada nem ninguém, nem tampouco se abala com nada, já que não fede nem cheira.

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