segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A missão de certas palavras

Quando caiu o muro de Berlim em 1989, não estava mais no meio acadêmico, que havia deixado no mestrado de Filosofia do IFCS, no velho Largo de São Francisco carioca, dez anos antes. Mas ainda estava dando aula, na rede pública estadual. É claro, que naqueles redutos onde trabalhei, Vila Kosmos, Marechal Hermes e Praça da bandeira, com aquele alunado procedente, em sua maioria, de comunidades pobres do entorno, que trabalhavam em sua grande maioria, e à noite vinham em busca de concluir o segundo grau. Não poderia criar nenhuma expectativa da parte deles sobre as grandes questões da humanidade, mas a gente tentava, e pareciam gostar. Não preciso dizer, que não havia a menor condição daqueles alunos, vivendo nas condições econômicas e sociais, as mais adversas, pudessem ter algum interesse em algo ocorrido em outro planeta, sem nenhum exagero, era como encaravam o fim do socialismo na Alemanha Oriental, antiga DDR, o chamado socialismo real. Mesmo entre os professores, que alguns preferem chamar de “mestres”, pouco havia tempo e chance para um mínimo de convivência e um dedo de prosa. Era raro, fora da imprensa, ouvir grande coisa sobre a queda do socialismo real. No lado oposto, na imprensa diária, semanal ou mensal, era do que mais se falava, se comentava, se discutia enfim, era o assunto do momento. Uma coqueluche. Será que o capitalismo, afinal de contas, tinha vindo para ficar? Seria uma sina? Definitivo? Estaríamos condenados a viver para sempre sob esse insustentável regime excludente? Falava-se em “fim da história” abertamente, sem o menor pudor de estar pagando mico. O liberalismo econômico saiu dos livros, para se efetivar historicamente, pela primeira vez, nos governos Reagan e Thatcher no início dos anos 80. Depois da queda do muro, procurou se expandir para outros cantos do planeta, e esse foi o caso do Brasil, onde chegou com a eleição de Fernando Collor, na primeira eleição do país pós-ditadura, além da vitória de Carlos Menem na Argentina, que vimos, depois de uma década, entregue à bancarrota, completamente falida por esse modelo liberal de governar a economia. Ninguém usava ainda o termo “neoliberalismo”, termo que só começou ser ouvido no Rio no final dos noventa, já no segundo governo FHC. Conceito suspeito, que continua sendo trabalhado nos meios acadêmicos, pesquisado e estudado. Pelo pouco, que tenho lido a respeito, seria a combinação perversa da política de livre mercado, crença da escola de Chicago de Milton Friedman, com a redução do tamanho do Estado proposta pela escola austríaca. Estudada sobretudo agora, que o efeito da implantação da agenda liberal na economia, implantada há mais de trinta anos, começa a dar seus nefastos frutos e resultados, como estamos assistindo no Chile e algures. É bom lembrar, para concluir, que o conceito de “neoliberalismo” ainda é um conceito em construção, se fazendo enquanto é implantado, ainda tão nebuloso quanto o de “populismo”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário