domingo, 24 de janeiro de 2016

Reflexos da leitura de Jessé de Souza


Ignorar a história de um povo, de como se deu a sua origem e o processo de seu desenvolvimento, é a razão principal para o surgimento de clichês, de mitos e principalmente, o que é pior, o reforço de preconceitos contra esse mesmo povo. Daí a importância cada vez maior do estudo não só de História, como de todo o agregado de conhecimentos, que nos torne mais preparados, e melhor aparelhados para lidar com as diferenças étnicas e culturais existentes. Quando digo povo, me refiro a um segmento populacional determinado, um grupo de indivíduos agrupados sob uma identidade particular, uma classe social, ou um grupo de imigrantes de uma determinada nacionalidade. É sempre bom ressaltar, que pretendo fazer uso da linguagem do senso comum o máximo possível, porque o objetivo é alcançar um público maior, um público não especializado, mesmo quando trato de questões filosóficas em filósofos considerados difíceis, como é o caso de Hegel. Não me dirijo portanto aos especialistas seja em que assunto for. É bom ressaltar de início, para depois não ser acusado de simplista. Mas quando o objetivo é atingir um público mais amplo, é inevitável não ser simplista, porque tudo vale para tornar mais compreensíveis questões, que de outra forma só seriam compreendidas por um leitor mais especializado na matéria. Bem, dito isso, voltemos ao fio de nossa meada. Para quem transita e convive em ambiente de classe média, sabe muito bem como se dá a relação de poder entre os membros da classe média tradicional e os seus respectivos subalternos, ou seja os setores mais abaixo na escala social, que ultimamente alguns analistas sociais denominam de classe C, D ou E. Sabe também, como os membros dessa classe média padrão costuma ser cruel com os subalternos, a quem humilham cotidianamente e os submetem a todo o tipo de constrangimento (bullying). É claro que se fala aqui em âmbito geral, não se considera as exceções. Como já partem de uma condição privilegiada de classe, já de partida eles tem muito mais poder de barganha que todos os outros inferiores sociais, até mesmo o poder de convencimento e de persuasão. O que não impede, ou talvez por isso mesmo, que travem uma guerra de submissão constante contra quem consideram inferior, uma guerra psicológica terrível, que via de regra deixa sequelas e traumas definitivos em suas vítimas. E aqui, nesse caso, fica bem claro o papel de certa ideologia, como legitimadora de toda uma condição de mando. Quando primeiro naturaliza e em seguida justifica, o poder de opressão e até de exploração de uma classe sobre a outra, mesmo sendo o subalterno parte de uma imensa maioria numérica. Daí a minha bronca contra Nietzsche, porque a sua filosofia caiu como uma luva para aqueles , que buscavam uma teoria justificadora para as suas atrocidades e crueldades sociais. Sobretudo quando trata em sua obra da questão da relação do Senhor e do Escravo, pois, ao contrário de Hegel, ele não é nem um pouco dialético, e por essa razão aqueles papéis permanecem fixos no tempo, cristalizados, como se congelados estivessem e assim permanecerão para todo o sempre. Quem é Senhor agora assim o será para sempre, e o mesmo se pode dizer do escravo. Com isso o conflito gerado por essa relação não se equacionará jamais. Nietzsche chega a dizer que é da natureza de ser Senhor DOMINAR e mandar sempre, um Senhor sem poder não é Senhor. Seria uma tolice pensar algo diferente disso, que é assim que sempre foi e funcionou na realidade, e assim continuará sendo para sempre. Por esse motivo que afirmei atrás, que essa teoria caiu como uma luva, para quem já estava atrás de uma justificativa teórica legitimadora. Já Hegel, por outro lado, utiliza o método dialético em praticamente quase toda a sua obra, nenhum fenômeno é definitivo, tudo engendra a sua própria transformação ao longo do tempo em outra coisa, ou seja a sua própria negação daquilo que é agora, nada é definitivo portanto. Na célebre metáfora do Senhor e do Escravo, que discute na Fenomenologia do Espírito(Cap.IV-A), por admitir a possibilidade de mudança com o método dialético, consegue vislumbrar uma libertação do escravo através da ampliação da consciência obtida pelo trabalho. Porque o escravo através do trabalho obrigatório, consegue pensar em sua atividade, e dessa forma vai adquirindo mais consciência. Não podemos jamais esquecer que Hegel é o grande mestre do idealismo filosófico, isto é, que acredita no poder da consciência na transformação do homem e do mundo. Agora é um idealismo, que por utilizar o método dialético, supondo a possibilidade de mudança, deixa aberta uma janela para o avanço social, dinamiza o sistema, inclui o movimento, o que mais tarde vai permitir a Marx avançar ainda mais na compreensão de todo o sistema E com mais consciência, o caminho rumo a uma libertação da sua atual condição fica mais evidente. Agora preciso fazer outro parênteses, para dizer que o filósofo francês Jean-Paul Sartre também acreditava nessa coisa de se alcançar mais liberdade através da ampliação da consciência. O método dialético possibilita alterações dos dois lados da equação, dessa forma tanto o escravo como o senhor poderá inverter a sua posição. O que é visto com frequência na realidade social de algumas sociedades. A própria literatura ficcional está cheia de casos e exemplos de gente em situação de privilégio e mando, que fracassaram magistralmente na vida, embora não seja muito comum isso acontecer, são fatos raros, embora possível. Para concluir, preciso dizer ainda, que toda essa situação de submissão e opressão social e psicológica, leva os indivíduos dos estratos mais baixos, a ter terríveis problemas de baixa auto-estima, gerando falta de empoderamento, de pertencimento e por consequência quase nenhum reconhecimento social. O que acaba fazendo com que, os membros da camada mais oprimida, cheguem na época de competir no mercado de trabalho em condições bastante inferiorizada e em enorme desvantagem diante de adversários muito mais fortes e privilegiados. Numa condição que não se vislumbra nenhuma transformação a curto prazo, caso não se apresente soluções para minorar as condições de enormes desigualdades que ainda apresentamos em nossa sociedade. É uma luta, uma terrível luta, e uma luta em condições muito desvantajosa para os mais fracos do sistema, que precisam se reproduzir e sobreviver em condições tão adversas. E só conseguem reproduzir, quando conseguem, é esse sistema de desigualdade.

Obra referida:
"A tolice da inteligência brasileira" livro de Jessé de Souza, da LeYa, 2015.

2 comentários:

  1. É exatamente sobre isso que andamos conversando outro dia. Das classes ditas mais baixas só conseguem emergir indiscutíveis talentos. Entretanto, as políticas públicas compensadoras conseguem remediar, em parte, tais problemas. André contou a estória de um rapaz, aluno do CEFET/Nova Friburgo, que apesar de ser filho de uma doméstica, tornou-se o melhor aluno do Instituto. Por causa disto conquistou o direito de estágio no Ciências Sem Fronteiras, diga-se de passagem um programa que foi construído para a classe média tradicional, e foi estudar em uma universidade nos EUA e lá tornou-se o melhor aluno do curso que escolheu. É uma estória arrepiante, mas que, provavelmente, perder-se-ia se não houvesse a política de cotas, bolsas em dinheiro para os cotistas e etc.

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    1. Muito bem lembrado Mariano, o caso do filho de uma empregada doméstica, que conseguiu aproveitar a oportunidade de uma política pública compensatória. Mas o que eu queria mostrar no artigo acima era evidenciar que o tratamento desumano, discriminatório e preconceituoso que é praticado pelas classes médias contra os mais pobres, ainda se dá devido a imensa ignorância de toda essa gente preconceituosa.

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