quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Cabeça dura

Pobreza e maluquice

Acho que Augusto tem uma cabeça maluca, uma espécie de maluco beleza, muito longe da loucura insana dos manicômios, longe portanto do maluco que perdeu a viagem completamente. Mas ainda assim maluco, na medida que abriu mão totalmente de qualquer projeto de vida, uma meta, um objetivo, um sonho ou qualquer coisa que se tenha vontade de realizar. Vive apenas para o que a vida vier a possibilitar na hora, ele acredita nisso, acredita que aquilo que chama de vida, pode enviar coisas para os humanos. Vive portanto entregue aos sabores e humores do presente, ou daquilo que gosta de dizer com frequência: "do aqui e do agora", seja este qual for, bom ou ruim. Pode-se dizer, que por ter escolhido viver dessa maneira, já esteja pagando o preço, coisa que vem pagando há muito tempo. Tudo leva a crer, que se foi uma escolha deliberada, toda a situação de dificuldades, pelas quais, vez ou outra, vem passando, deverá continuar.  Toda essa estória irá continuar e ainda vai longe, bem longe, para desespero de alguns de seus amigos mais fiéis. Como não se vê nenhuma possibilidade de mudança, continuará a não ter projetos, nem nada parecido. Quando ouve qualquer coisa similar a cobranças do tipo, fica muito chateado, e sua reação é dizer e repetir, que não quer ficar a mercê de encucações. Como se o simples fato de pensar e refletir, fosse capaz de levar alguém ao sofrimento, deveria ser o contrário, usar o pensamento para evitar os erros. Portanto, é completamente falso pensar dessa forma, coisa que Augusto não chega a perceber, o que torna tudo muito mais difícil. Pelo exposto acima, continuo bastante cético sobre a possibilidade de mudança. É claro que um sujeito, que está mais preocupado com o hoje, para quem a prioridade essencial é encontrar algo para forrar o estômago. Que para alcançar esse objetivo vai precisar utilizar de toda sua força, física e mental. Será esse então o seu foco principal daqui por diante, de tal sorte, que quase não restará mais energia para divagações de qualquer tipo. Portanto, quem assim vive, não pode ter projeto, nem pensar sobre o dia de amanhã. O que poderia parecer um luxo, um desperdício de tempo, ou até mesmo uma coisa supérflua. Confesso que foi pensando em Augusto, e em todos os seus problemas e no seu estilo de vida, que passei a dar maior atenção e valor aos programas sociais e as políticas públicas de transferências de renda para os mais pobres, com o foco na redução das desigualdades. Para que a curto e médio prazo, os mais carentes ao conseguir equacionar a questão alimentar, possam também desempenhar um papel de maior protagonismo social, protagonismo na tomada de decisão sobre os rumos a tomar na vida, e que cheguem a elaborar os seus próprios projetos de vida, em busca de um futuro melhor. Só agora me dei conta, do curioso de tudo que acabei de narrar, porque na verdade só queria esclarecer a maluquice de Augusto, sobretudo distingui-la da loucura insana de Lauro, outro amigo comum, loucura de tal ordem, que acabou por arrastá-lo literalmente para as ruas, onde acabou por se estabelecer e transformar-se num autêntico morador de rua, hoje em dia mais um mendigo fedorento que se vê por aí, como tantos outros. Já Augusto, pelo contrário, continua inseridíssimo no sistema, embora continue na informalidade como autônomo, prestador de pequenos serviços, uma espécie de biscateiro. Cada dia que passa, ao acordar sabe, que precisa enfrentar mais uma jornada em busca de conseguir o pão de cada dia, uma aventura penosa, as vezes consegue obter o suficiente, em outras nem tanto, e assim segue na labuta. Acho que a loucura de Augusto encontrou uma brecha para se instalar exatamente na interseção, naquela zona entre o totalmente inserido e o porra louca, o maluco beleza, que ainda carrega em si. O inserido dele permanece, pelo fato de ter conseguido manter um pequeno sítio num lugar legal. O fato de ter uma casa para chamar de sua, é de uma importância fundamental, principalmente para quem leva uma vida instável e insegura em tantos e variados aspectos. Talvez o sítio seja o pé, que o mantém materialmente inserido no sistema e na própria realidade factual, o que possibilita uma leve aparência de normalidade aos olhos dos outros. Isso me lembra o ditado: "que de fora todo mundo é normal"; ou daquele outro, já invertendo totalmente o sentido, que: "de perto ninguém é normal". E segundo diz um outro velho ditado de que "o uso do cachimbo faz a boca torta". Por ter que correr tanto atrás do sustento diário no aqui e agora, acaba não sobrando quase nenhum tempo a mais para o sonho, para as idealizações factíveis ou não, para um novo projeto de vida, para quem sabe encontrar um plano B alternativo. E a consequência por ter permanecido tanto tempo sem oportunidade de alcançar protagonismo mental, de poder dispor da mente para mais divagações, de poder ficar a imaginar coisas, que seria capaz de usar a mente como ferramenta de auxílio, para desenvolver e arquitetar planos, que melhore a própria vida, torná-la menos instável e insegura, com mais tempo para o prazer e a criatividade, para aproveitar as inúmeras oportunidades e chances, que a própria vida proporciona. Portanto, se não consegue ter essa vivência mental, toda essa experiência imaginária e simbólica, acaba por se tornar um jogador imediatista, já que praticamente não precisa mais da mente para realizar as suas tarefas. E aqui concluo,  abrindo um parêntese final para inserir uma fala, uma pequena declaração de Augusto em forma de desabafo, feita recentemente em off pelo próprio: "Ah! Me jogo de cabeça mesmo, e tudo bem! Vivo o presente, ou seja, vivo o momento do aqui e o do agora. Logo não preciso da mente para viver, a mente virou um acessório que posso usar ou não, e usar ao meu bel prazer, quando for conveniente. E então retorno aos meus impulsos cotidianos sejam eles quais forem, digestivos ou sexuais, são esses impulsos, que me comandam, que me governam, que me movem, e eu adoro que seja assim, acho ótimo, porque não gostaria nem um pouco de correr o risco de baixar o meu astral, se me pusesse a pensar sobre a vida. Sei que do mesmo jeito que fico num perrengue danado de vez em quando, tudo também pode mudar de uma hora para outra, como acontece quando pinta uma grana de um trabalho qualquer e eu não me faço de rogado e gasto tudo num belo jantar num japonês incrível. Acho ótimo e não me arrependo nem um pouco depois, não tem essa de arrependimento, não sinto culpa por nada, vivo o presente e ponto final."

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