quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O amante ideológico

Episódio 1 - O Cara da Feira
O título sugere de cara uma ideia óbvia, a ideia de que existe gente que só se enamora por quem pensa de acordo com o próprio figurino. Na verdade só se joga de cabeça numa relação, só se enamora realmente pra valer pelo objeto amado, por esse obscuro objeto do desejo, quando tem certeza e clareza de quais são os valores e ideias do amado. E quando uma coisa não bate com a outra, não foram poucas vezes, em que teve que saltar do veículo (relação amorosa), com o carro em movimento, correndo sérios riscos, riscos até de vida. E os motivos para todas essas situações de "cair fora", variam desde uma leve decepção amorosa por exemplo, até mesmo descobrir a escrotidão da mente do objeto amado, que corta totalmente a vontade de continuar mantendo uma coisa, da qual não tem coragem de chamar de relação. É em momentos como esses, que o desejo material (carnal) perde feio para o desejo imaterial, as idealizações, ou seja a própria mente do objeto amado, seus valores, suas crenças e ideias, em outras palavras a sua MENTALIDADE. Uma luta entre escolher o que no outro fala mais forte quando o assunto é o desejo, o que afeta com mais intensidade, a cabeça versus o corpo. A estupefação de não poder suportar o fato de alguém tão bonito, tão gostoso e sensual, quase um ser divino, possuir ao mesmo tempo uma cabeça tão escrota. O primeiro impulso que aflora, é o desejo de escapar daquela situação incômoda, o desejo de fugir, bater em retirada, virar as costas, para evitar  maiores dissabores futuros. Mas na verdade pretendo mostrar um outro aspecto dessa história, porque sinto, que algo não bate muito bem, porque como muitos dizem e asseveram que a carne é fraca, e por esse motivo é quem fala sempre mais alto, que esperneia mais forte e que acaba por vencer, na maioria das vezes, a batalha contra uma cabeça fraca, movida mais pelo desejo carnal do que pelo pensamento. Aí tem algo que não fecha a conta, não sei bem o que é ainda, nem tampouco desconfio, mas deve ter. Enquanto isso, vamos lá apresentar o restante da turma, para ir completando o quadro com quase todo mundo, mesmo que todo o processo seja bem devagar, já que vamos ter que introduzir na presente estória, membro a membro, os indivíduos mais revelantes e importantes, que frequentam o Clube. Inicialmente vamos apresentar um sujeito que não lembro agora o nome em absoluto, mas vamos chamá-lo de "cara da feira". O cara da feira não é alguém que poderia ser considerado bonito, não, nada disso, ele não é bonito, nem tampouco é feio, o feio clássico também não é. Quando se olha para ele com mais perspicácia, é possível descobrir um certo charme, e até mesmo um pouco de 'sex-appeal'. O problema todo começa quando o coitado abre a boca, e olha que ele gosta muito de abrir a boca, abre a boca o tempo todo, adora falar, sempre num tom mais alto que os demais, adora polemizar e contar estórias e causos, em geral os mais escabrosos possíveis. E como todos sabem, em geral quem fala muito, acaba por se expor muito também, o que leva a correr o risco de cometer pequenos erros, alguns vacilos, falar alguma bobagem, e assim acaba por mostrar, que não passa de um tolo ou idiota as vezes, em suma acaba pagando mico. E quando se fala muito, fica visível e aparente também os valores, que revelam o carácter das crenças ideológicas e outras, que se possui. Pois muito bem, em seu excesso de expressão oral, de incontinência verbal, o "cara da feira" acaba por mostrar, dentre tantas outras, mais uma faceta, que é ser dono de uma cabeça muito conservadora, pois o seu machismo e sexismo fica explícito em vários momentos de sua narrativa exibicionista monologal, pois ele nunca dialoga, adora falar sozinho, não demonstra o menor interesse pelo que os outros tenham ou não a dizer. "Que se fodam todos", ele profere as vezes. Em várias ocasiões fala muito mal dos viados, e a única palavra que possui para se referir aos gays é o vocábulo VIADO, que profere em alto brado, como se um clone fosse do deputado Jair Bolsonaro. Tem o perfil de ser, quem sabe evangélico, apesar de todos os palavrões bem cabeludos que gosta de emitir, mas não tenho certeza que o seja. Então dessa forma ele continua a ridicularizar os viados, utilizando-se para isso de uma enorme variedade de clichês e chavões, que profere enquanto sataniza os viados, com impropérios que hoje em dia não se encaixa nem mesmo na bicha considerada escrachada, ou seja, no tipo mais afeminado. Não consigo identificar nem imaginar nenhum grupo ou tribo do mundo gay que se enquadre em seus clichês e estereótipos, mas mesmo assim, ele continua com as suas diatribes e com as piadinhas grosseiras e politicamente incorretas, que dispara a todo momento visando atingir em cheio o alvo gay. Agora, é curioso por outro lado, observar que ele apesar de feirante, dono de uma barraca de não sei o quê na feira, para o feirante meio apeãozado que é, até que tem um gosto bem peculiar e sofisticado em suas escolhas de roupa íntima, "underwear". Só o vejo exibindo cuecas de marcas famosas, coisa fina mesmo, coisa que jamais me passou pela cabeça em comprar, por várias razões, principalmente por causa do preço, devem ser caras, e para quê também? Se as dele não forem falsas, forem legítimas portanto, ele anda fazendo um alto investimento nas peças, e provavelmente devem ser legítimas pela forma toda especial como ele se comporta ao exibí-las e ostentá-las, através de toda uma dança corporal, de toda uma expressão corporal bem particular, que denota ser o foco principal a exibição em si daquele novo modelo de cueca. Numa noite dessas ele exibia uma Calvin Klein vermelha tipo boxer, um escândalo! Talvez não para ele, que fazia o jogo, de forma a parecer que estivesse se sentindo o mais natural possível, mas era visível como chamava a atenção, todos olhavam para ele, quer dizer olhavam para a cueca vermelha. É curioso observar não ser ele apenas o único a se comportar dessa maneira, aquela sauna é um verdadeiro desfile de cuecas de grifes famosas, tem coisa que nem conheço, que nem sei a procedência. Mas sinto uma atmosfera meio fetichista naquilo tudo, apesar do aparente discurso anti gay e anti viado . No meu modo de ver noto que alguns se exibem deliberadamente, mas que pode muito bem ser inconsciente. E para disfarçar, esconder e escamotear um pouco o DESEJO ali presente, embora silencioso e camuflado, pois está em estado latente. O desejo acaba de alguma forma por aparecer e se manifestar, isso é inevitável. Como o corpo não pode esbravejar, se esgoelar, exprime-se de outra maneira, de forma não vocabular, jamais através do discurso linguístico. O corpo mostra uma coisa e em contra partida é confrontado e desafiado por um discurso anti gay radical, agressivo, raivoso e intolerante, quase, se já não o for, homofóbico. Pelo que estamos acompanhando, uma coisa surge, que é o discurso homofóbico, para escamotear uma outra, aquilo que se precisa esconder de todo o jeito e de todas as formas. O discurso anti gay vem para camuflar o desejo homoerótico ali presente corporalmente através de vários sinais e signos não linguísticos, incluindo a expressão corporal exibicionista dos mais protagonistas. Dependendo da interpretação que se faça, talvez aí esteja o caráter ideológico dessa coisa toda, a necessidade de esconder, escamotear e trapacear através de um discurso negativista aparente. Greta Garbo quem diria...! E tudo acaba sendo uma aparente contradição para os incautos...

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