sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O fazer filosófico

Inicio com um título deveras curioso quase que de propósito, porque jamais se pensa a filosofia como um fazer, em geral costuma-se ver a filosofia mais como um campo repleto de saberes. Já em relação a arte é muito mais fácil enxergá-la como um fazer essencialmente, muito embora alguns artistas não só façam arte como reflitam a respeito da sua atividade principal, e alguns deles com muita propriedade e categoria. Mas em geral se costuma deixar as tarefas de compreensão e reflexão sobre o fazer artístico, entregue aos caprichos dos filósofos. Alguns conseguiram elaborar verdadeiros compêndios de Estética, o primeiro deles foi obra de Aristóteles, que infelizmente só chegou até nós alguns fragmentos de sua Estética, estudada ainda nos dias de hoje nos cursos universitários de teatro, filosofia e outros. Mais contemporaneamente foram os filósofos Hegel e Lukács, quem melhor nos deixou um trabalho mais consistente e completo da Estética. Com estudos aprofundados a respeito de praticamente todas as atividades artísticas, indo por exemplo da arquitetura à música, etc. Tenho uma opinião a respeito daqueles que se ocupam com a teoria filosófica. Sabe-se da importância do conhecimento filosófico para o bem da humanidade, um conhecimento que também instrumentaliza o próprio auto-conhecimento. E portanto é sabido toda a sua relevância em diferentes sentidos e aspectos no cotidiano de todos nós. Sobretudo quando o conhecimento filosófico opera como instrumento e ferramenta no auxílio de uma melhor compreensão do mundo real, do nosso cotidiano, para que não tenhamos que permanecer somente no plano da inconsciência e ter que enfrentar as surpresas desagradáveis do dia a dia sem saber o porque. Agora quando a atividade filosófica se restringe apenas ao campo teórico, torna-se uma atividade estéril e inútil, como um cachorro que morde o próprio rabo o tempo todo. É o caso daqueles que se envaidecem apenas em poder ficar citando frases e máximas desse ou daquele pensador, que por acaso tenham decorado em suas imensas leituras aqui e ali, sem nem um pouco preocuparem-se se aquela citação tem alguma coisa a ver com o mundo em que estamos a viver. Ou daqueles que mal algum interlocutor abre a boca desejando proferir algum vocábulo para contra argumentar, e que de pronto já recebe aquela perguntinha fatal: "você sabe o que significa tal vocábulo, ou tal conceito?". Em geral quem procede dessa forma atem-se apenas ao significado estrito daquele conceito em particular, que se sabe ser esse ou aquele, de acordo com a teoria desse ou daquele filósofo particular, mas que como se sabe os sentidos mudam de acordo com o pensador, e que portanto não existe um significado eterno e único para todo e qualquer conceito da teoria filosófica e que seja comum a todos os filósofos. Sabe-se, por outro lado que, para quem vive no mundinho particular das ideias das teorias filosóficas, qualquer tentativa que se faça para trazer a reflexão para o chão da terra ou da fábrica, do aqui e do agora, é em geral muito mal visto e de pronto rechaçado de forma peremptória. As pessoas não querem deixar a zona de conforto daquele mundinho, o mundinho das ideias, e assim fica-se restrito apenas ao âmbito teórico, evita-se ao extremo se sujar, se contaminar (por que não?) com o mundo real. E aqui cabe uma pergunta, para quê serve esse tipo de atividade filosófica? Seria uma coisa muito mais no plano quantitativo, quando o que mais importa será a quantidade de saber que se conseguiu acumular e decorar, frases, máximas, datas e lugares onde essa ou aquela citação foi mencionada ou dita, ou escrita, por esse ou aquele pensador, de quem também se conhece todos os seus dados biográficos, porque como leitor compulsivo devorou quase tudo, e sabe quase tudo? Para quê serve esse tipo de coisa? Que importância tem uma atividade, que é muito mais burocrática e arquivista do que reflexiva?

2 comentários:

  1. Mariano S Silva

    Realmente, o conhecimento, seja ele de qual natureza for implica em alguma utilidade para a humanidade local ou global. Sem isto representa apenas "snobismo"

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    1. Realmente é muito chato, quando diante de uma fala instigante de algum interlocutor qualquer, se deseja muito contra argumentar a respeito daquela fala, e já na primeira palavra que se pronuncia, o outro interlocutor o interrompe com aquela maldita perguntinha: "o que significa esse vocábulo tal", que mal acabou de se falar. O que acaba por matar a discussão pela raiz. Uma absoluta perda de tempo. Dane-se o significado daquele vocábulo ou conceito. Observa-se em quase todos os "papers" publicados sobre diferentes assuntos, que os autores tem a preocupação em antes de começar a teorizar, de listar os diversos conceitos que irá utilizar naquele paper, com os respectivos significados. Agora numa discussão oral, muitas vezes numa mesa de bar, agir dessa forma, além de ser um tanto quanto pedante, mata-se qualquer possibilidade de estabelecer um diálogo, mínimo que seja.

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