domingo, 22 de dezembro de 2019

O segundo comando

Quando se está fora do comando de si mesmo, não importa agora, a razão ou origem do problema. Antes de prosseguir, uma pausa, um pequeno parêntese, para um esclarecimento, esse não é o espaço adequado para o compromisso com a verdade científica, fruto da pesquisa e das teses acadêmicas. Muito pelo contrário, esse aqui é o campo das conjecturas, o livre campo do pensar com nossas intuições e imaginações. Dito isso, quando se abandona o comando do barco, existe um mecanismo para não ficar totalmente à deriva, que se poderia especular, e dizer, que seria o inconsciente, ou algo nebuloso, que prefiro chamar de segundo comando. É curioso, como não perdemos a consciência totalmente, pelo contrário, temos nítida ciência do que está se passando, só não podemos fazer nada, estamos sob outro comando. Nos piores momentos, nos momentos de uma crise mais aguda e profunda, que pode demorar a ocorrer, quando tudo se exacerba, e acaba-se por bandeirar o desequilíbrio eminente, o transtorno torna-se aparente. Mas se poderia dizer, esse fenômeno está presente na vida cotidiana o tempo todo, e se manifesta, na maioria das vezes, em pequenas coisas do dia a dia, de forma menos evidente. Por isso mesmo, passa de forma  quase imperceptível, sem gerar um desconforto suficiente, que forçasse uma maior necessidade de racionalização. Como é o exemplo, no dia a dia, quando afirma-se coisas, que depois arrepender-se-á profundamente, “como pude dizer isso ou aquilo? ”. “Onde estava com a cabeça, quando tomei aquela decisão? ”. “Por que não respondi a agressão de fulano? ”. E por aí afora, tudo acontece em momentos de aparente normalidade psíquica. Claro que não é o tempo todo, as crises têm diferentes intensidades. As vezes o pânico é paralisante, que imobiliza e congela, deixa-nos sem reação, um desconforto real. Em outras ocasiões mais leves, deixa-nos com uma incontinência verbal incontrolável, com consequências, muitas vezes, devastadoras, que se pagará um preço, inevitavelmente depois. Encontro o Sr. Y na rua, paramos rapidamente para uma troca de meia dúzia de palavras, quando Sr. Y se afasta, lamento muito não ter aproveitado a oportunidade de ter-lhe dito poucas e boas, que considero seja merecedor. Ainda bem, que não disse nada, apenas pensei, e poderia ter dito isso ou aquilo, que perdi mais uma oportunidade, de ter brigado com ele. Esse EU que quis brigar com Sr. Y, é o segundo comando, é o EU despersonalizado. Não fui eu quem encontrou o Sr. Y, foi o segundo comando. Quando tudo isso se exacerba, vem a crise aguda, com a ideia de saída do corpo, conhecida também como desrealização, etc. Muito complicado tudo isso, porque ninguém percebe nada diferente ou estranho, não é um fenômeno aparente, visível, materializado, salvo nos extremos mais críticos das crises agudas. Aí sim, é assustador, é o pânico total, porque é difícil de camuflar ou esconder. O alentador hoje é saber, que não há risco real de loucura nesse tipo de transtorno, embora pareça e tenha algumas semelhanças, não é uma psicose. É tratável, e os terapeutas da análise cognitivo-comportamental estão aí mesmo para isso, dentre outras alternativas clínicas, incluindo medicação. Sobre isso, o sucesso do rivotril é mais do que eloquente.

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