terça-feira, 14 de abril de 2020

A epidemia não quebra corações


Se nem o fenômeno de uma epidemia, que quebra laços afetivos e rotinas, nos mantém refugiados de nós mesmos, quase em estado de pânico, com a possibilidade de morte na próxima esquina, no banco do ônibus, na maçaneta da porta, na fila do banco, etc. Se nem a epidemia, que causa tantos malefícios, é capaz de fazer, que certas pessoas reflitam, reavaliem suas vidas, seus valores e, até mesmo, a qualidade de suas conexões com os outros. É porque também já foram atingidos por um vírus incurável, não esse que ora nos assombra, mas o vírus da sociopatia, e são considerados quase casos perdidos.
O disparo em massa, durante anos, de mensagens, que exaltam o reforço na individualidade, como o melhor caminho, como a melhor saída para a corrente crise do emprego, ou da sua falta. A intensa busca em tornar-se empreendedor/empresário de si mesmo, tendo como disciplina técnica e teórica principal, o marketing digital, que atingiu em cheio grande parte da população jovem mundial nos últimos quinze anos. E que ajudou a disseminar a ideologia neoliberal, ou a preparar cabeças, para, mais facilmente, legitimar e naturalizar um eventual futuro regime político regido pelo sistema econômico liberal. A manipulação é evidente e se evidencia a todo momento. Gente manipulada, quando se pretende manter formalmente a aparência de democracia, e dessa forma, tentar atingir certos objetivos ou resultados eleitorais favoráveis ao seu credo neoliberal. 
Com a quarentena sugerida por autoridades municipais e estaduais, salvo a rara exceção do disparatado capetão, que ora ocupa a presidência, que prega o contrário. Está praticamente a maioria da população refugiada em suas casas. Esperando qualquer coisa ou o pior, algumas vezes. O curioso é assistir, apesar de todo o alvoroço da epidemia, gente ainda mantendo a pose, não sendo nada solidários com iguais, incapazes de qualquer gesto empático. Fazendo pose e cara, de quem não precisa de ninguém, e alguns ainda provocam e criam tensões contra o vizinho. Mesmo diante da epidemia.    



domingo, 22 de março de 2020

Não se deve descartar fantasias


Quando se banaliza o sexo, o deixa com as espinhas à mostra, a ponto de ter sua anatomia mais íntima, como porta de entrada, para o jogo erótico e amoroso. Então não tem fantasia, que resista, impossível. Além disso, não deixa campo imaginário, para a construção de outras. É uma terra arrasada para a criação de fantasias, árida e ácida, como no deserto, nada mais sensível e sutil terá chance de crescer ali. Para parecer mais real, e trazer para o campo do vivido mais palpável, estou pensando nos “sites” de pegação/paquera disponíveis na internet, e em sua exagerada demanda por “nudes”, a consequente troca e intercâmbio deles entre seus milhões de usuários, onde alguns comportamentos são moldados e pré-moldados de acordo com a duração de uso do aplicativo pelo usuário. Tudo se reduz na qualidade, perde substância no próprio desejo, quase como no caso dos viciados em pornografia, aquela coisa mecânica de a cada dia dar um pouco de recompensa ao corpo/cérebro, uma suculenta fatia de torta, uma taça de sorvete, um pouco de pornografia na telinha do celular, ou algo semelhante. E em seguida você conseguirá ter uma relativa boa noite de sono, até amanhã! O mecanismo, em linhas gerais, é mais ou menos esse. E a fantasia foi para o caralho literalmente. Se pode ter sexo sem fantasia? Claro, que sim. Mas a que preço, e qualidade? Dito isso, é bom esclarecer antes de concluir, que aqui não vai nenhum juízo de valor contra os aplicativos de pegação de modo geral. E sim o uso, que é feito deles, por alguns de seus milhões de usuários.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Café sem açúcar



Não pretendo tomar mais café com açúcar. Se para tomar o cafezinho, que tanto aprecio, preciso adoçar com açúcar, é porque não aprecio o café e sim aquilo que o adoça. A ponto de alguns se perguntar, se não é o vício no açúcar, que os fazem tomarem tantos cafezinhos ao longo da jornada. Lembro de quando ainda trabalhava, a pausa para o cafezinho, era quase tão esperada quanto a sagrada sexta-feira. Não era tanto, talvez tenha exagerado na comparação, mas sem dúvida era mais pela chance de um “break” na labuta, no trabalho, uma interrupção benéfica, para a saúde mental. Muito bom mesmo, foi assim que muitos se iniciaram no hábito diário de consumir tantos cafezinhos, e assim também aconteceu comigo. Preciso do café para dirigir até Niterói, para me manter ligado ao volante, ter um pouco de agressividade nas ultrapassagens, o que requer também um pouco de coragem. É o meu combustível diário, me dá calor, energia e disposição para qualquer tarefa que tenha pela frente, não me vejo sem ele. Agora o açúcar é outra estória, não faz bem à saúde, vicia e é uma porcaria nutritiva. Portanto, é bom renunciar ao açúcar o quanto antes, não ao café, que evita o câncer na próstata e melhora a atenção e o humor, na dosagem certa e suficiente, claro. Tudo em excesso não é bom. Bom cafezinho para todos!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Devo ser obsceno

Saber que obsceno, tinha na origem, como significado etimológico, “cães de mau augúrio”, me pegou completamente desprevenido. Acostumado que estou, com a afirmação de massa hoje em dia, que acredita que obsceno é fazer uma afronta deliberada ao pudor, (dar uma vontade danada de falar poder, mas deixa para lá). Encontrei também na pesquisa, que obsceno é o “que se compraz em ferir o pudor”. Quer dizer, estamos diante de um transgressor contumaz, quase um iconoclasta, o avesso do avesso, o contra a corrente, absolutamente contrário a mania de todo mundo reproduzir a mesma coisa sempre e ao mesmo tempo, contra o chamado comportamento de manada. Por outro lado, tem gente também, e agora estamos falando da grande maioria, que não quer mudar de jeito nenhum, que gosta de nadar de braçada no comportamento de massa, que não saberia fazer de outro jeito, e ficaria inseguro se o tentasse. Se sentiria uma ave raríssima, talvez não conseguisse ir muito adiante, não sobreviveria na pele de um personagem mais genuíno, único e verdadeiro. Então precisa permanecer por lá mesmo, no ambiente adequado de “todos iguaizinhos”, consumindo o mesmo tipo de produto de todo o mundo, replicando os mesmos jargões, repetindo os mesmos clichês, só dando valor àquilo que todos valorizam, acompanhando a manada teleguiada até mesmo nas eleições, etc. Então, por tudo isso, acho que sou obsceno. Primeiro porque, muito pouca gente, das que conheço ultimamente quer me dar papo ou ouvidos nos últimos tempos. Não demonstram ter o menor interesse em saber o que passa pela minha cabeça. Passam batido, não indagam nada, me evitam, como se estivessem tentando escapar de saber, ouvir ou escutar algo muito feio, uma coisa obscena, despudorada. Preferem nos obrigar  a escutá-los, querem se fazer ouvir, querem alugar, com as suas estórias familiares, ou de amigos, que jamais conhecemos. Há algum tempo vinha me queixando das incompreensões das pessoas, dizia uma coisa e entendiam outra, interpretavam sempre com o sentido diferente, numa inversão total de significado, uma distorção da real intenção. É fato também, que a conjuntura política não é nada favorável, com a chegada da extrema direita ao governo central, trazendo um pacote/agenda autoritário, que flerta o tempo todo com ditaduras e com a tortura, propaga a violência física contra seus adversários políticos, e comemora abertamente a derrota ou prisão de algum deles. Enfim flerta com a morte, ostenta armas, impõe mentiras no lugar de verdades e dispara fake news. Diante de tudo isso, é até compreensível a incompreensão de tanta gente. Posso até fazer um esforço de compreensão, para os aceitar como estão. Nem só por isso escapo de ser obsceno! Devo ser obsceno mesmo! Eles não querem me ouvir, não têm o menor interesse no que tenha ou não a falar, contar ou escrever. Talvez porque não seja de bom tom?!

domingo, 22 de dezembro de 2019

O segundo comando

Quando se está fora do comando de si mesmo, não importa agora, a razão ou origem do problema. Antes de prosseguir, uma pausa, um pequeno parêntese, para um esclarecimento, esse não é o espaço adequado para o compromisso com a verdade científica, fruto da pesquisa e das teses acadêmicas. Muito pelo contrário, esse aqui é o campo das conjecturas, o livre campo do pensar com nossas intuições e imaginações. Dito isso, quando se abandona o comando do barco, existe um mecanismo para não ficar totalmente à deriva, que se poderia especular, e dizer, que seria o inconsciente, ou algo nebuloso, que prefiro chamar de segundo comando. É curioso, como não perdemos a consciência totalmente, pelo contrário, temos nítida ciência do que está se passando, só não podemos fazer nada, estamos sob outro comando. Nos piores momentos, nos momentos de uma crise mais aguda e profunda, que pode demorar a ocorrer, quando tudo se exacerba, e acaba-se por bandeirar o desequilíbrio eminente, o transtorno torna-se aparente. Mas se poderia dizer, esse fenômeno está presente na vida cotidiana o tempo todo, e se manifesta, na maioria das vezes, em pequenas coisas do dia a dia, de forma menos evidente. Por isso mesmo, passa de forma  quase imperceptível, sem gerar um desconforto suficiente, que forçasse uma maior necessidade de racionalização. Como é o exemplo, no dia a dia, quando afirma-se coisas, que depois arrepender-se-á profundamente, “como pude dizer isso ou aquilo? ”. “Onde estava com a cabeça, quando tomei aquela decisão? ”. “Por que não respondi a agressão de fulano? ”. E por aí afora, tudo acontece em momentos de aparente normalidade psíquica. Claro que não é o tempo todo, as crises têm diferentes intensidades. As vezes o pânico é paralisante, que imobiliza e congela, deixa-nos sem reação, um desconforto real. Em outras ocasiões mais leves, deixa-nos com uma incontinência verbal incontrolável, com consequências, muitas vezes, devastadoras, que se pagará um preço, inevitavelmente depois. Encontro o Sr. Y na rua, paramos rapidamente para uma troca de meia dúzia de palavras, quando Sr. Y se afasta, lamento muito não ter aproveitado a oportunidade de ter-lhe dito poucas e boas, que considero seja merecedor. Ainda bem, que não disse nada, apenas pensei, e poderia ter dito isso ou aquilo, que perdi mais uma oportunidade, de ter brigado com ele. Esse EU que quis brigar com Sr. Y, é o segundo comando, é o EU despersonalizado. Não fui eu quem encontrou o Sr. Y, foi o segundo comando. Quando tudo isso se exacerba, vem a crise aguda, com a ideia de saída do corpo, conhecida também como desrealização, etc. Muito complicado tudo isso, porque ninguém percebe nada diferente ou estranho, não é um fenômeno aparente, visível, materializado, salvo nos extremos mais críticos das crises agudas. Aí sim, é assustador, é o pânico total, porque é difícil de camuflar ou esconder. O alentador hoje é saber, que não há risco real de loucura nesse tipo de transtorno, embora pareça e tenha algumas semelhanças, não é uma psicose. É tratável, e os terapeutas da análise cognitivo-comportamental estão aí mesmo para isso, dentre outras alternativas clínicas, incluindo medicação. Sobre isso, o sucesso do rivotril é mais do que eloquente.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Brigas virtuais

É verdade, que embora estando a maior parte do tempo sozinhos, jamais tivemos a possibilidade de fazer conexão com tanta gente ao mesmo tempo, como nos dias que correm. O fenômeno de, com apenas um toque, ter a possibilidade de acessar tanta gente, amigos ou não, companheiros da escola secundária, vizinhos do prédio ao lado, gente do outro lado do atlântico, não importa se em algum país da Europa ou América do Norte, sem falar de gente de nosso imenso país. De ouvir platitudes do tipo: "de que jamais se teve acesso a tanta informação como agora", informação de todo o tipo e para gostos os mais variados. Acontece que em tempos de extrema direita chegando ao poder político aqui e ali, nem sempre a clareza e evidência das ideias e a procura da verdade, esteja ainda na ordem do dia. O irracionalismo, o obscurantismo, o contorcionismo verbal e escrito pululam o tempo todo, por todo canto, o iluminismo foi jogado para escanteio por essa direita, que gosta de falar em pós-verdade. As mentiras das notícias falsas, também chamadas: “fake news”, são disparadas por robôs midiáticos num frenético ritmo alucinante. Nossas preferências e gostos são aferidos por instrumentos logaritmos, que tentam nos manipular, baseados em qualquer visita aleatória feita numa página qualquer da internet. Diante disso, se tornou muito mais difícil, hoje em dia, a comunicação escrita, ou melhor, digitada. Nunca podemos avaliar como o nosso amigo virtual receberá a mensagem enviada, como a compreenderá. Será que fomos claros o suficiente? Será que perceberá a real intenção, quando teclamos e publicamos aquele texto, aquela mensagem? Uma situação de impasse, uma incógnita total, que jamais poderemos ter uma pálida ideia ou resposta. Diante disso, volta e meia encontro e vejo gente em apuros, perdendo amizades de longa data, apenas por ter dito ou escrito uma determinada palavra, que foi mal recebida pelo interlocutor. O que gera tensão e stress, porque atinge o campo dos afetos, isto é, não se sai ileso de uma discussão, que gera o rompimento de uma relação de amizade, mesmo que não se dê trela à treta, nem se responda à ofensa proferida pelo interlocutor. Tudo isso é muito complicado e cruel, porque esperava-se que com mais educação e informação, todos estivessem mais preparados para uma convivência mais civilizada, mas não é isso, que se assiste nos dias de hoje, infelizmente. O mais triste disso tudo, é que não se vê luz no final desse túnel, e os mais agourentos ainda estão a dizer, que em vez de luz, se aproxima um trem, que passará por cima de tudo e de todos. Que horror! Ainda bem que sou daqueles, que preferem esperar, contar e acreditar no poder das luzes da razão.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A missão de certas palavras

Quando caiu o muro de Berlim em 1989, não estava mais no meio acadêmico, que havia deixado no mestrado de Filosofia do IFCS, no velho Largo de São Francisco carioca, dez anos antes. Mas ainda estava dando aula, na rede pública estadual. É claro, que naqueles redutos onde trabalhei, Vila Kosmos, Marechal Hermes e Praça da bandeira, com aquele alunado procedente, em sua maioria, de comunidades pobres do entorno, que trabalhavam em sua grande maioria, e à noite vinham em busca de concluir o segundo grau. Não poderia criar nenhuma expectativa da parte deles sobre as grandes questões da humanidade, mas a gente tentava, e pareciam gostar. Não preciso dizer, que não havia a menor condição daqueles alunos, vivendo nas condições econômicas e sociais, as mais adversas, pudessem ter algum interesse em algo ocorrido em outro planeta, sem nenhum exagero, era como encaravam o fim do socialismo na Alemanha Oriental, antiga DDR, o chamado socialismo real. Mesmo entre os professores, que alguns preferem chamar de “mestres”, pouco havia tempo e chance para um mínimo de convivência e um dedo de prosa. Era raro, fora da imprensa, ouvir grande coisa sobre a queda do socialismo real. No lado oposto, na imprensa diária, semanal ou mensal, era do que mais se falava, se comentava, se discutia enfim, era o assunto do momento. Uma coqueluche. Será que o capitalismo, afinal de contas, tinha vindo para ficar? Seria uma sina? Definitivo? Estaríamos condenados a viver para sempre sob esse insustentável regime excludente? Falava-se em “fim da história” abertamente, sem o menor pudor de estar pagando mico. O liberalismo econômico saiu dos livros, para se efetivar historicamente, pela primeira vez, nos governos Reagan e Thatcher no início dos anos 80. Depois da queda do muro, procurou se expandir para outros cantos do planeta, e esse foi o caso do Brasil, onde chegou com a eleição de Fernando Collor, na primeira eleição do país pós-ditadura, além da vitória de Carlos Menem na Argentina, que vimos, depois de uma década, entregue à bancarrota, completamente falida por esse modelo liberal de governar a economia. Ninguém usava ainda o termo “neoliberalismo”, termo que só começou ser ouvido no Rio no final dos noventa, já no segundo governo FHC. Conceito suspeito, que continua sendo trabalhado nos meios acadêmicos, pesquisado e estudado. Pelo pouco, que tenho lido a respeito, seria a combinação perversa da política de livre mercado, crença da escola de Chicago de Milton Friedman, com a redução do tamanho do Estado proposta pela escola austríaca. Estudada sobretudo agora, que o efeito da implantação da agenda liberal na economia, implantada há mais de trinta anos, começa a dar seus nefastos frutos e resultados, como estamos assistindo no Chile e algures. É bom lembrar, para concluir, que o conceito de “neoliberalismo” ainda é um conceito em construção, se fazendo enquanto é implantado, ainda tão nebuloso quanto o de “populismo”.